
A moda sempre teve a feminina, seja no design, na confecção, seja no consumo. No entanto, quando se trata do topo da hierarquia, o cenário muda: a maioria das grandes marcas ainda é comandada por homens. A recente saída de Donatella Versace da direção criativa da grife que leva seu sobrenome reacende o debate sobre a baixa representatividade feminina em cargos de liderança no setor. Seria um caso isolado ou um reflexo das barreiras que ainda limitam a ascensão das mulheres no mercado da moda? Especialistas apontam que, apesar dos avanços, obstáculos estruturais e culturais ainda dificultam a ascensão feminina ao topo das grandes maisons.
A indústria da moda movimenta trilhões de dólares por ano e emprega milhões de mulheres ao redor do mundo. No entanto, quando se observa quem ocupa os cargos mais altos, a disparidade de gênero fica evidente. "Apesar de serem a força vital da indústria, tanto como consumidoras quanto como profissionais, as mulheres continuam sub-representadas nos cargos de liderança das grandes marcas", afirma Krystie Ribeiro, professora de moda.
Entre os fatores que explicam essa desigualdade, estão barreiras estruturais que dificultam o crescimento profissional das mulheres. Para Krystie, desafios como a dupla jornada, a falta de representatividade em cargos de chefia e a menor presença feminina em redes de contato estratégicas acabam limitando a ascensão delas. "As mulheres enfrentam desigualdade salarial, políticas restritivas de licença-maternidade e menos oportunidades de promoção, perpetuando um ciclo de exclusão", explica.
Além disso, a moda carrega um histórico de concentração do poder nas mãos de homens. Durante décadas, mulheres foram relegadas ao trabalho criativo e artesanal, enquanto os cargos de gestão eram ocupados majoritariamente por eles. Mabel de Bonis, especialista no setor, acredita que essa diferença vem diminuindo. "A mulher fez uma revolução nos últimos 100 anos, reduzindo o gap educacional e conquistando espaços que antes eram exclusivamente masculinos", pontua. Para ela, o cenário está em transformação, e a presença feminina na liderança tende a crescer. "Na dança das cadeiras atual, veremos cada vez mais mulheres assumindo cargos de gestão", aposta.
No entanto, essa transformação ainda não acontece na velocidade ideal. A saída de Donatella Versace, por exemplo, levanta questionamentos sobre a permanência das mulheres no comando das grandes marcas. Embora a estilista continue ligada à grife como embaixadora, sua saída da direção criativa reflete um setor ainda dominado por homens. "Historicamente, o setor da moda tem dificuldade com a paridade de gênero em cargos de liderança, e sua saída reforça os desafios contínuos enfrentados pelas mulheres para se manterem no topo", analisa Krystie.
Mulheres que desafiaram o sistema
Apesar das barreiras, algumas mulheres conseguiram romper esse ciclo e deixar sua marca na história da moda. Coco Chanel revolucionou o vestuário feminino e construiu um império que permanece influente até hoje. Miuccia Prada, que transformou a marca familiar em um dos grupos de luxo mais poderosos do mundo, é outro exemplo de liderança feminina de sucesso. Maria Grazia Chiuri, atual diretora criativa da Dior, é a primeira mulher a ocupar esse cargo na história da grife e tem utilizado sua plataforma para discutir questões feministas na moda.
Outras estilistas que marcaram a história são Vivienne Westwood, que trouxe o punk para as arelas e desafiou o status quo, e Rei Kawakubo, fundadora da Comme des Garçons, cuja abordagem experimental redefiniu os limites do design de moda. No entanto, essas mulheres ainda são exceções em um setor que continua a privilegiar homens nas decisões estratégicas.
A mudança de cenário depende não apenas das profissionais da moda, mas também da estrutura das empresas. Segundo as especialistas, é necessário que as grandes marcas adotem políticas mais inclusivas, incentivem a ascensão feminina e eliminem barreiras institucionais que ainda dificultam o o das mulheres ao poder. Afinal, se a moda é feminina em sua essência, por que o topo ainda pertence, em sua maioria, aos homens?
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte