ARTIGO

Preservar Brasília é um dever coletivo

O traçado de Brasília, concebido por Lúcio Costa, é um projeto de Estado — e não meramente de cidade — cuja racionalidade e clareza espacial são parte de seu valor excepcional universal, reconhecido pela Unesco desde 1987

Estrutura montada próximo ao Conjunto Nacional -  (crédito: Rogério Carvalho/Arquivo pessoal)
Estrutura montada próximo ao Conjunto Nacional - (crédito: Rogério Carvalho/Arquivo pessoal)

Por Rogério Carvalho* - A recente instalação de uma cobertura irregular sobre a arela de ligação entre os Setores Culturais Sul e Norte - Conjunto Nacional e Conic - no centro de Brasília, constitui uma afronta ao princípio fundamental que rege a concepção urbanística do Plano Piloto: a visada livre, a espacialidade generosa e a hierarquia formal dos elementos construídos.

O traçado de Brasília, concebido por Lúcio Costa, é um projeto de Estado — e não meramente de cidade — cuja racionalidade e clareza espacial são parte de seu valor excepcional universal, reconhecido pela Unesco desde 1987. A monumentalidade horizontal, a relação entre cheios e vazios, e os eixos de visada são elementos estruturantes do projeto. Um dos mais simbólicos desses eixos é precisamente o que conecta visualmente a Torre de TV ao Congresso Nacional. Qualquer interferência nesse campo visual compromete não apenas a estética, mas a própria leitura do espaço urbano como obra arquitetônica e cultural.

A estrutura recentemente instalada destoa completamente do entorno. Seu aspecto improvisado, volumetria agressiva e caráter efêmero reduzem a dignidade da paisagem construída, transformando uma área nobre da capital federal em cenário de desordem e banalização. Tal intervenção compromete o reconhecimento imediato dos marcos urbanísticos e descaracteriza a ambiência da Esplanada, afetando diretamente a percepção do espaço projetado.

Cabe ressaltar: a crítica aqui exposta não recai sobre os trabalhadores e comerciantes que ocupam o local, os quais desempenham funções legítimas e devem ser considerados parte do dinamismo urbano. No entanto, a organização dessas atividades não pode ser feita em detrimento do patrimônio cultural da humanidade. O problema está na forma e nos meios adotados — inadequados técnica, estética e simbolicamente — para abrigar essas funções.

É imperativo que os órgãos públicos responsáveis — em especial o GDF, o Iphan e o IAB — intervenham de forma urgente e articulada. A cidade exige planejamento qualificado, ações pautadas por critérios técnicos e diálogo com a sociedade e os profissionais da arquitetura e urbanismo. Soluções que conciliem uso, comércio e preservação existem e devem ser priorizadas.

Brasília não pode ser reduzida à informalidade institucionalizada. Preservar suas visadas, sua ordem urbana e seu projeto original é um dever coletivo — um compromisso com a memória nacional e com as futuras gerações.

 * Arquiteto, especialista em Patrimônio Histórico

Por Opinião
postado em 19/04/2025 14:12
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