Opinião

Investimentos estrangeiros sofrem com insegurança jurídica e restrições fundiárias

Além de fazer o "arroz com feijão" (estabilidade macroeconômica e política), é importante viabilizar medidas na esfera microeconômica/regulatória para atrair capitais e impulsionar o investimento

. -  (crédito: Reprodução/Freepik)
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» BERNARDO GOUTHIERMACEDO, BRÁULIOBORGES E ERIC BRASIL: São, respectivamente, sócio diretor, diretor da área de Economia, e diretor da área de Direito da LCA Consultores

Divulgado recentemente pelo Banco Central, o balanço das contas externas brasileiras mostra que o Brasil teve um deficit em conta corrente (mercadorias e serviços) muito expressivo em 2024: US$ 56 bilhões, equivalente a 2,6% do PIB. Para financiá-lo e evitar crises cambiais, como a que assola a Argentina, é preciso buscar formas de atrair, todos os anos, de 2% a 2,5% do PIB de capitais estrangeiros — sobretudo o investimento direto, cujo foco são o médio e o longo prazos.

Temos nos saído relativamente bem: o investimento direto tem até superado, com certa folga, o deficit em conta corrente: em 2024 equivaleu a 3,2% do PIB, montante praticamente igual à média observada em 1999-2024.

Isso deveria nos tranquilizar? Certamente não, já que a questão do desenvolvimento não corresponde a uma corrida de 100 metros, e, sim, a uma maratona, praticamente interminável.

De fato, o investimento direto externo é também importante para impulsionar o crescimento como um todo. Um trabalho acadêmico (Baiashvili & Gattini 2020) apontou que, em países de renda média, como o Brasil, cada 1% do PIB de investimento estrangeiro direto impulsiona o crescimento do PIB em cerca de 0,15% a 0,2% por ano.

Por outro lado, a taxa de investimento brasileira — razão entre investimentos em ativos fixos de empresas nacionais e estrangeiras no país e o PIB — está no patamar de apenas 18%, insuficiente para assegurar um crescimento potencial mais elevado.

Assim, além de fazer o "arroz com feijão" (estabilidade macroeconômica e política), é importante viabilizar medidas na esfera microeconômica/regulatória para atrair capitais e impulsionar o investimento. Essa agenda, entre outras coisas, envolve mitigar a insegurança jurídica face a uma legislação muitas vezes anacrônica e a um ambiente institucional que traz preocupações com relação à eficácia do instituto da arbitragem, por exemplo, como ferramenta moderna de resolução de conflitos.

Um dos maiores litígios empresariais em curso hoje no Brasil reflete com clareza tais fragilidades. Trata-se da disputa entre J&F e Paper Excellence em torno da propriedade e do controle do complexo industrial da Eldorado Celulose, em Mato Grosso do Sul. Esse embate, para além de jogar dúvidas sobre a eficácia do modelo de arbitragem adotado pelo país, desbordou para uma arena especialmente sensível para a atratividade do investimento estrangeiro.

A aquisição da Eldorado pela Paper Excellence vem sendo contestada sob o argumento de afronta à legislação que regula a participação de capital estrangeiro na propriedade fundiária. Alega-se que a Paper, como empresa estrangeira, deveria ter obtido autorizações prévias do Incra e do Congresso Nacional para deter a propriedade das terras da Eldorado destinadas à produção florestal.

Para além da disputa jurídica, cabe trazer à luz os reflexos econômicos desse debate. Na esteira do fluxo intenso de investimento direto, o Brasil vem acolhendo, há bastante tempo, empresas estrangeiras em setores-chave da economia, nos quais a propriedade de terras é intrínseca à atividade produtiva. Energia renovável, biocombustíveis, alimentos, mineração e papel e celulose lideram o dinamismo econômico e, portanto, também a atração de investimentos estrangeiros.

Segundo a Land Matrix (financiada pela Comissão Europeia), de 2010 a 2023, empresas estrangeiras adquiriram uma área de 3,33 milhões de hectares, maior do que o estado de Alagoas. Esse fluxo de investimento só foi possível porque, de fato, os obstáculos ora aventados na disputa empresarial acima mencionada não se mostraram efetivos.

A prevalecer a tese de que os critérios para a propriedade fundiária de estrangeiros devam ser mais restritivos do que os que permitiram o ingresso maciço de investidores externos nos últimos anos, o Brasil terá um dos ambientes mais inóspitos à propriedade de terras para estrangeiros. Para além do impacto cambial direto, dificultando o financiamento do deficit brasileiro contra o resto do mundo, o impacto negativo sobre o investimento direto colocaria em xeque a permanência de investimentos ocorridos na última década e tenderia a frear a retomada do crescimento, que já sofre os efeitos deletérios da estilingada dos juros.

A economia brasileira sofreria bastante com uma restrição tão severa na acolhida ao investimento estrangeiro. É intuitivo que tal restrição não deveria ser um subproduto, no âmbito da política pública, de uma lide privada.

Em realidade, os esforços da política pública se dão na direção oposta, de ampliar a acolhida ao investidor estrangeiro. Exemplo recente é a iniciativa discutida pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), batizada de Janela Única de Investimentos, a ser lançada em 2026. Inspirada na experiência recente do México, essa proposta tende a agilizar os procedimentos necessários para o investidor estrangeiro entrar no Brasil, reduzindo custos de transação percebidos como elevados e que acabam impactando a rentabilidade esperada. É um o muito importante, mas tal esforço pode ser anulado caso, na contramão, uma disputa jurídica privada acabe por restringir as condições para a posse fundiária de empresas produtivas estrangeiras.

 


Correio Braziliense
postado em 24/02/2025 05:06
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