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Artigo: Colapso da sustentabilidade econômica da radioterapia no SUS

Baseado nos dados de incidência do Instituto Nacional de Câncer (INCA) e nas respectivas indicações de radioterapia, a Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT) estimou que 73 mil pacientes com câncer não têm o à radioterapia no SUS a cada ano

29/12/2017 Crédito: Wallace Martins/Esp. CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF.  Seção de Radioterapia. Sírio Libanes. -  (crédito: Wallace Martins/Esp. CB/D.A Press)
29/12/2017 Crédito: Wallace Martins/Esp. CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF. Seção de Radioterapia. Sírio Libanes. - (crédito: Wallace Martins/Esp. CB/D.A Press)

GUSTAVO NADER MARTA*

 Aproximadamente 75% da população brasileira é totalmente dependente da assistência do Sistema Único de Saúde (SUS).  Quando falamos especificamente sobre tratamento dos pacientes diagnosticados com câncer, a radioterapia é um dos pilares fundamentais, junto com cirurgia e tratamento sistêmico medicamentoso, sendo crucial para ao menos sete em cada 10 pacientes oncológicos. Vale ressaltar que, em 85% das vezes que a radioterapia é empregada, a intenção é curativa. Os outros 15% têm finalidade paliativa, para alívio dos sintomas e melhor qualidade de vida dos pacientes. 

A possibilidade de cura e o alívio do sofrimento, tanto dos pacientes quanto de seus familiares, estão intrinsecamente ligados ao o adequado a ese tratamento. Entretanto, a falta de radioterapia pode resultar na perda de oportunidade de cura, acarretando sofrimento desnecessário e custos financeiros elevados, devido à necessidade de abordagens terapêuticas adicionais mais onerosas. Sem dúvida, esse é um contexto que impacta diretamente na perda de recursos do sobrecarregado sistema de saúde público. 

Baseado nos dados de incidência do Instituto Nacional de Câncer (Inca) e nas respectivas indicações de radioterapia, a Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT) estimou que 73 mil pacientes com câncer não têm o à radioterapia no SUS a cada ano. E, caso medidas importantes não sejam adotadas, esse deficit será crescente. A estimativa é de que, comparado aos números atuais, tenhamos no mundo um aumento dos casos de câncer, que também vai se refletir no Brasil, de 20,7% até 2030; assim como o aumento de 49,6% até 2040 e de 76,6% até 2050. Portanto, a crise na sustentabilidade da radioterapia no SUS é uma pauta de saúde pública que exige urgente discussão e ação. Este tratamento essencial é atualmente uma peça no tabuleiro da economia da saúde que enfrenta um xeque-mate diante de recursos insuficientes e custos crescentes.

Um estudo da SBRT, chamado RT2030, evidenciou que o valor reembolsado pelo SUS para cada paciente não é suficiente para cobrir nem a metade do custo do tratamento. A desvalorização da moeda nacional frente ao dólar agrava o cenário, pois os equipamentos de radioterapia, majoritariamente importados, e suas manutenções, também precificadas em dólar, representam uma pressão adicional aos já s orçamentos do setor. Além disso, para funcionar um serviço de radioterapia com um equipamento são necessários cerca de 20-30 funcionários. Existe uma inflação no setor associada ao quadro de pessoal. O setor encontra-se sem nenhum tipo de reajuste desde o ano de 2010. Não é necessário muito raciocínio para compreender que se vive em um cenário de total insustentabilidade. 

O Plano de Expansão da Radioterapia no SUS (PER/SUS) tem como principal objetivo ampliar e criar novos serviços de radioterapia em hospitais habilitados no SUS. No entanto, apesar de bem-intencionado, o PER/SUS não é capaz de sanar a principal dificuldade do setor atualmente. Isso se deve à falta de sustentabilidade econômica vigente no que se refere ao financiamento para sua manutenção e prestação do serviço: mais uma vez, o valor de reembolso vigente no SUS cobre menos do que a metade do custo operacional. Após 10 anos, o projeto PER-SUS entregou cerca de 50% das soluções planejadas. Comparativamente, nesse período foi observado um crescimento de 17% no número de aceleradores lineares (Linacs) com o PER-SUS, contra um aumento de 32% na incidência de câncer no Brasil. 

Diante desse panorama, é fundamental que o Ministério da Saúde reavalie seu modelo de financiamento para a radioterapia no SUS. Investimentos adequados não são apenas uma questão econômica, mas um imperativo ético e legal para assegurar o direito à saúde, premissa garantida pela Constituição Federal. Como observadores e participantes nesse contexto, somos convocados a refletir e demandar mudanças estruturais que garantam que a radioterapia não seja um privilégio, mas, sim, um direito ível a todos.

*Radio-oncologista, professor e presidente da Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT)

 

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GUSTAVO NADER MARTA
postado em 10/05/2024 06:00 / atualizado em 10/05/2024 06:33
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