
Enviado especial / Roma — Pouco antes de entrarem em confinamento na Casa Santa Marta, ao lado da Porta del Perugino, na Cidade do Vaticano, os 133 cardeais eleitores no conclave que se inicia na tarde desta quarta-feira (7/5), horário da Itália, fizeram um apelo à paz no mundo. "Nós, cardeais da Santa Igreja Romana, reunidos em Congregação Geral antes do começo do conclave, tendo constatado com pesar que não se registrou qualquer progresso na promoção de processos de paz na Ucrânia, no Oriente Médio e em muitas outras partes do mundo, (...) fazemos um apelo sincero a todas as partes envolvidas para que alcancem um cessar-fogo permanente o mais rápido possível e para que negociem, sem pré-condições e novos atrasos, a paz há muito desejada pelas populações envolvidas e pelo mundo inteiro", afirma o comunicado. O papa Francisco, falecido aos 88 anos, em 21 de abril, fez reiterados apelos pelo fim dos conflitos entre russos e ucranianos e entre israelenses e palestinos. Em seu testamento, pediu que o papamóvel fosse transformado em uma clínica ambulante para prestar atendimento médico às crianças da Faixa de Gaza.
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Isolados desde a noite de terça-feira (6/5) do mundo externo, sem o à internet, à televisão ou ao rádio, os cardeais eleitores de 71 países participarão da missa Pro Eligendo Romano Pontifice, às 10h (5h em Brasília), na Basílica de São Pedro, depois de tomarem café da manhã entre 6h e 7h30. Assim que a missa se iniciar, os sinais de celular dentro dos limites do Vaticano serão cortados.
Depois de retornarem aos seus aposentos, serão levados da Casa Santa Marta ao Palácio Apostólico, por volta das 15h45 (10h45 em Brasília). Ali, na Capela Paulina, rezarão a Ladainha de Todos os Santos. Então, seguirão em procissão solene até a Capela Sistina, onde o ex-pregador da Casa Papal, o cardeal capuchinho italiano Raniero Cantalamessa, 90 anos, conduzirá o juramento dos eleitores e pronunciará a Extra Omnes ("Todos para fora"), convidando os cardeais não eleitores, com 80 anos ou mais, a se retirarem.
Fumaça
Trancadas as portas da Capela Sistina, terá início o conclave. A primeira fumaça deverá ser liberada da chaminé da Capela Sistina pouco depois das 19h em Roma (14h em Brasília), depois de uma rodada de votações. Caso não haja um vencedor com dois terços dos votos, novas votações ocorrem na quinta-feira — duas pela manhã, com emissão de fumaça ao meio-dia (7h em Brasília), e duas à tarde, com fumaça às 19h (14h em Brasília).
Ao fim da 12ª Congregação Geral dos Cardeais, pela manhã, o cardeal indiano Anthony Poola foi questionado pelo Correio sobre se esperança um conclave rápido e respondeu: "Não sei, isso depende do Espírito Santo". Sobre se a Igreja seguirá os rumos de Francisco, ele disse: "Sim, sim, sim!". Entre os favoritos para o Trono de São Pedro, estão os italianos Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano; Pierbattista Pizzaballa, patriarca latino de Jerusalém; e Matteo Zuppi, um reformista muito ligado a Francisco.
Mirticeli Medeiros, vaticanista brasileira e doutoranda em história do catolicismo, avalia que o conclave deve ser pensado na iconografia da eleição. "Existem muitos símbolos ligados ao papado do qual o Colégio Cardinalício não pode se desvencilhar. O papa pontifex é um mediador, um promotor da paz em primeira pessoa, tanto que usa as vestes brancas por causa disso. Os cardeais levam em consideração, hoje em dia, a busca por um papa que esteja em contato com o povo. Após a renúncia de Bento XVI, além de se buscar a figura de um papa reformador, buscava-se a figura de um papa pastoral", lembrou ao Correio.
A vaticanista considera muito difícil que o Colégio de Cardeais recue nesse sentido. "Isso está muito além de escolher entre um conservador e um progressista, porque há conservadores pastorais e há progressistas que não são pastorais. O caso do cardeal italiano Pierbattista Pizzaballa é interessante, e não é surpresa que seu nome ganhe força nos últimos dias. Antes de ser patriarca latino de Jerusalém, ele foi custódio da Terrra Santa, um dos cargos de maior prestígio dentro da ordem franciscano, que traz consigo o ícone do impulso de São Francisco de Assis de dialogar com o diferente", disse Mirticeli.
Segundo a estudiosa, Pizzaballa reúne algumas dessas características. "Pelo fato de viver numa terra de conflito, assume, quase que naturalmente, essa figura de mediador. Foi ele quem acompanhou o papa Francisco em sua viagem à Terra Santa, fala hebraico, inglês e italiano e tem um indiscutível trabalho pastoral, ao atuar como missionário."
Na avaliação de Mirticeli Medeiros, para os cardeais importa uma pessoa que leve adiante as reformas implementadas pelo papa Francisco. "Ele poderia ser um papa bastante pastoral, que dialoga com a Europa e com o Oriente Médio, que hoje desperta preocupação na diplomacia vaticana. Pensando no chefe de Estado e no líder religioso, ele traz muitas características interessantes que poderiam levá-lo a ser aclamado pelo Colégio de Cardeais em alguns escrutínios."
Música sacra e emoção na despedida dos brasileiros
Roma - Pouco antes de seis cardeais eleitores brasileiros deixarem a Casa Pio Brasileiro, por volta das 20h30 de ontem (15h30 em Roma), dom Jaime Spengler, presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e arcebispo metropolitano de Porto Alegre, disse à imprensa que externa sua gratidão pelos fiéis que seguem o "momento histórico da Igreja". "Tenho um pedido para que mantenham a oração e a súplica para que seja realmente o espírito de Deus a nos inspirar nesse momento importante, a fim de que a Igreja possa ter, como seu pastor maior e bispo de Roma, alguém de acordo com o coração do Mestre Jesus", declarou. Dom João Braz de Aviz, prefeito emérito do Discastério para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, vive em Roma e se encontrou com os demais na Casa Santa Marta.
Segundo dom Spengler, o perfil do próximo papa é "aquele que o espírito nos indicar". "Creio que o espírito de Deus dá para cada tempo o homem certo. Assim foi com Francisco, assim foi com Bento XVI, com João Paulo II e etc." Os funcionários e os mais de 100 padres residentes do Colégio Pio Brasileiro cantaram Veni Creator ("Vinde, Criador"), a mesma música que será entoada pelos 133 cardeais ao entrarem na Capela Sistina, além de outras canções sacras, em homenagem aos cardeais. Eles colocaram a bandeira do Brasil à frente dos purpurados com a imagem de Nossa Senhora Aparecida. (RC)
Três perguntas para // Dom Baltazar Enrique Porras Cardozo, 80 anos, cardeal da Venezuela, arcebispo emérito de Caracas
O senhor acredita que o legado do papa Francisco será preservado pelo próximo pontífice?
Essa é a tônica. Existe uma herança não apenas dele (Francisco), mas também dos últimos sumo pontífices. É indubitável que sobre todos os pontos em que Francisco tocou e que estão em marcha não existe nenhum desejo ou possibilidade de recuo, pelo contrário.
A imprensa italiana sugere divisão dentro do Colégio Cardinalício. O que o senhor teria a dizer sobre isso?
Uma coisa é o que a imprensa diz para ver se tem manchetes. O que vimos lá dentro (congregações) é outro clima e outro ambiente.
O que o senhor viu lá dentro?
Bem, é o que estou dizendo. Vi uma serenidade muito grande, uma grande liberdade para nos expressar e uma necessidade de continuar com esses projetos fundamentais que Francisco nos deixou. Ele os assumiu por tê-los recebido do conclave no ano ado, e que foi uma continuação de Bento XVI e de João Paulo II. (RC)
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