
Ficar confinado no Vaticano, sem comunicação com o mundo externo, pode ser uma missão extenuante para os 133 cardeais que, desde ontem, votam para escolher o próximo pontífice. Longas horas de trabalho na Capela Sistina, como foi ontem, no primeiro dia de conclave, quando a fumaça indicando que ainda não habemus papam saiu, insolitamente, uma hora e meia depois do esperado, soam torturantes, considerando a idade avançada da maioria dos príncipes da Igreja. Porém, a história mostra que o isolamento é pouco perto do que os antecessores dos atuais purpurados enfrentaram: de racionamento de comida a três anos de votação.
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A ideia de confinar cardeais para acelerar a escolha do papa remonta ao século 13. Em 1241, vendo que a eleição se arrastava, o chefe do governo de Roma trancafiou os cardeais em um prédio em ruínas e se recusou a limpar os banheiros ou permitir que os médicos tratassem os doentes.
Segundo Frederic Baumgartner em A History of the Papal Elections (História das Eleições Papais, em tradução livre), os cardeais só tomaram uma decisão quando um deles morreu e os romanos ameaçaram exumar seu corpo. Após 70 dias, eles chegaram a um acordo e Goffredo Castiglioni tornou-se Celestino IV.
Mas o conclave mais longo ocorreria depois da morte de Clemente IV, em novembro de 1268, no palácio papal de Viterbo, perto de Roma. Foram três anos de indecisão. No fim de 1269, os cardeais concordaram em se isolar e, em junho de 1270, os habitantes frustrados removeram o telhado para acelerar o processo. Afinal, era inverno. A inspiração para o ato, aparentemente, veio de um purpurado inglês, segundo quem, "sem um teto, o Espírito Santo desceria mais livremente". Teobaldo Visconti tornou-se papa Gregório X em setembro de 1271.
O último conclave longo foi em 1831, quando levou mais de 50 dias para eleger Gregório XVI. Desde então, o processo dura menos de uma semana. O mais extenso do século 20 aconteceu em 1922, quando Pio XI foi eleito após 14 rodadas de votação, em cinco dias. As últimas eleições foram concluídas em dois dias: Bento XVI precisou de quatro rodadas de votação em 2005 e Francisco de cinco em 2013.
Pomba
Nos primeiros tempos de cristianismo, mais precisamente em 236 d.C., a comunidade cristã em Roma debatia possíveis candidatos papais quando uma pomba branca pousou na cabeça de um espectador, Fabiano. "Naquele momento, todos, como se movidos por uma única inspiração divina, gritaram com entusiasmo e de todo o coração que Fabiano era digno", segundo Eusébio, um historiador da Igreja da época. Mas essa bênção terminou mal. O imperador romano Décio o perseguiu e executou 14 anos depois.
Também nos primórdios do catolicismo, o clero e a nobreza romana escolhiam os papas, mas as votações eram frequentemente fraudadas. Uma das eleições mais infames ocorreu em 532, após a morte de Bonifácio II, com "subornos em larga escala de funcionários reais e senadores influentes", segundo P.G. Maxwell-Stuart em Chronicle of the Popes (Crônica dos Papas, em tradução livre). No fim, o escolhido foi um padre comum, Mercúrio, o primeiro a mudar seu nome de nascimento, optando por João II.
Dieta
Em resposta ao caos que antecedeu sua eleição, Gregório X mudou as regras: ele exigiu que os cardeais se reunissem 10 dias após a morte do papa e ordenou que os alimentos fossem racionados progressivamente. Se nenhuma decisão fosse tomada dentro de três dias, as refeições consistiriam em apenas um prato principal, um dos dois tradicionais na Itália. Depois de cinco dias, eles teriam apenas pão, água e vinho, de acordo com o livro Conclave, de John Allen.
Os conclaves foram realizados durante séculos no Palácio Apostólico do Vaticano e, desde 1878, de forma ininterrupta na Capela Sistina, que já sediou outros no ado. Os cardeais dormiam em catres dentro de cubículos temporários, com um banheiro para cada 10 cardeais, segundo o o livro de Allen.
Essa tradição foi longeva. Em agosto de 1978, além do desconforto dos catres e do banheiro dividido, os cardeais tiveram de aguentar um calor inável. As janelas foram cerradas e uma revolta eclodiu entre os purpurados, que exigiram que elas fossem abertas em meio ao verão quente no Vaticano.
João Paulo II, eleito em um segundo conclave realizado em outubro daquele ano, ordenou então a construção da Residência de Santa Marta nos jardins do Vaticano, onde os cardeais atualmente residem. A casa, onde Francisco escolheu morar, tem quase 100 suítes e cerca de 20 quartos individuais. Porém, durante o conclave, as janelas também são fechadas.
Também João Paulo II inovou em 1978, servindo champanhe aos cardeais e cantando canções folclóricas polonesas após aparecer diante da multidão na Praça de São Pedro. A famosa bebida sa foi oferecida por Bento XVI em um jantar de 2005, após sua eleição.
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