Guerra no Leste Europeu

Trump coloca em perigo o diálogo para acordo de paz na Ucrânia

Presidente Trump sinaliza abandono das negociações de um acordo de paz entre a Rússia e a Ucrânia e avisa que saída pode ocorrer "muito em breve". Especialistas afirmam que Vladimir Putin não deseja o fim da guerra

Donald Trump discursa no Salão Oval da Casa Branca: otimismo comedido em relação à guerra entre Rússia e Ucrânia  -  (crédito: Mandel Ngan/AFP)
Donald Trump discursa no Salão Oval da Casa Branca: otimismo comedido em relação à guerra entre Rússia e Ucrânia - (crédito: Mandel Ngan/AFP)

Depois de assegurar que encerraria o confronto militar entre Rússia e Ucrânia em 24 horas, durante a campanha, Donald Trump fez nova promessa, em seu discurso de posse, em 20 de janeiro ado. "Nós seremos uma nação como nenhuma outra. (...) Nosso poder interromperá todas as guerras e trará um novo espírito de unidade a um mundo que tem sido raivoso, violento e totalmente imprevisível", declarou, na ocasião. Oitenta e oito dias desde seu retorno à Casa Branca, o republicano sinalizou uma mudança de rumo no discurso. "Minha vida inteira tem sido uma grande negociação. Eu sei quando as pessoas estão brincando conosco e quando não estão", declarou Trump. Ao ser questionado por jornalistas sobre quem estaria "brincando" com os EUA, desconversou: "Não, ninguém está brincando comigo; eu estou tentando ajudar". No entanto, o presidente ameaçou abandonar a mediação do diálogo entre Moscou e Kiev. "Agora, se por algum motivo um dos lados dificultar muito, vamos simplesmente dizer: 'Vocês são idiotas. Vocês são uns idiotas. Vocês são pessoas horríveis', e vamos embora'", acrescentou.

Trump também reafirmou o que o secretário de Estado americano, Marco Rubio, havia dito horas antes, enquanto negociava em Paris, na presença do presidente francês, Emmanuel Macron, e de líderes da Ucrânia, da Alemanha e do Reino Unido. O chefe da diplomacia de Washington avisou que os EUA se afastarão, caso a paz entre russos e ucranianos não seja "viável". "Sim, muito em breve", respondeu Trump a repórteres no Salão Oval quando perguntado sobre a declaração. "Não há um número específico de dias, mas queremos que isso seja feito rapidamente."

Olexiy Haran, professor de política comparada na Universidade de Kyiv-Mohyla (em Kiev), lembrou ao Correio que Trump sempre defendeu soluções rápidas e simples para a guerra na Ucrânia. "Agora, Trump percebe que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, aceitará uma trégua apenas se receber o que deseja. Ele pretende manter 20% do território ucraniano ocupados e exige que a Ucrânia reconheça essas áreas como se fossem parte legal da Rússia", explicou. "Putin quer manter a ocupação, mas isso não é uma condição para a paz. Trump, por sua vez, disse que empurraria os dois lados para um acordo, mas, até o momento, pressiona apenas a Ucrânia. É hora de pressionar a Rússia."

Sócio-gerente do Grupo Nacional Anticrise (em Kiev), o cientista político ucraniano Taras Zahorodny disse à reportagem que, depois de várias rodadas de negociação, ficou claro que a Rússia não tem intenção de acabar com a guerra. "A meta de Putin é a completa destruição da Ucrânia e do povo ucraniano. Como resultado, a Rússia apresentou demandas completamente inaceitáveis, às quais os EUA não poderia atender", afirmou, ao citar a entrega de cinco territórios ocupados, uma rendição forçada do Exército da Ucrânia e a suspensão dos ataques russos à infraestrutura, incluindo os sistemas de energia. 

"As condições de Moscou para o cessar-fogo foram rejeitadas pelo Ocidente. O Kremlin tem insistido em ultimatos, como parar toda a ajuda à Ucrânia, pôr fim ao recrutamento militar dos ucranianos e suspender o apoio à inteligência. Essas condições foram recusadas tanto pelos Estados Unidos quanto pela União Europeia",  acrescentou Zahorodny. Para o especialista, as conversas na Arábia Saudita deixaram claro que qualquer conversa entre Rússia e EUA não tem sentido sem a Europa e a Ucrânia. "A demanda-chave da Rússia é a suspensão das sanções, algo que somente a União Europeia pode fazer, uma vez que Moscou busca retornar ao mercado europeu."

O Kremlin anunciou que a ordem anunciada por Putin, em 18 de março, para suspender por 30 dias os ataques à infraestrutura de energia da Ucrânia "expirou". "De fato, o mês expirou. No momento, não houve outras instruções do comandante supremo, o presidente Putin", declarou o porta-voz da presidência russa, Dmitri Peskov, em resposta a uma pergunta da agência -Presse. Por sua vez, a Ucrânia confirmou que recebeu os corpos de 909 soldados mortos em combate contra a Rússia.

EU ACHO...

Taras Zahorodny, analista político ucraniano e sócio-gerente do Grupo Nacional Anticrise (em Kiev)
Taras Zahorodny, analista político ucraniano e sócio-gerente do Grupo Nacional Anticrise (em Kiev) (foto: Arquivo pessoal )

"As declarações do secretário de Estado americano, Marco Rubio, e do presidente Trump sobre a retirada do processo de negociação em nada muda a guerra entre Rússia e Ucrânia. Desde o início, os EUA têm operado sob a premissa de a Rússia planejada encerrar o confronto.Seu cenário-base previa um cessar-fogo na linha de frente, seguido de diálogo político. Os EUA estão presos entre dois objetivos irreconciliáveis: reiniciar a própria economia, o que desencadearia recessão global e reduziria os preços do petróleo, prejudicando Moscou; eevitar o colapso da Rússia, temendo que ela se torne um alvo fácil para a China."

Taras Zahorodny, cientista político e sócio-gerente do Grupo Nacional Anticrise (em Kiev)

 Olexiy Haran, professor de política da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla (Ucrânia)
Olexiy Haran, professor de política da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla (Ucrânia) (foto: Arquivo pessoal )

"Se os Estados Unidos abandonarem as negociações, isso significa que a guerra continuará. Isso leva a uma dúvida: os EUA seguirão fornecendo armas para a Ucrânia e manterão as sanções econômicas. Se Trump disser 'Tudo bem, vou lavar minhas mãos e nada posso fazer', ele estará jogando do lado do agressor. Nós precisamos que Trump haja de maneira firme."

Olexiy Haran, professor de política comparada na Universidade de Kyiv-Mohyla (em Kiev)

  • Taras Zahorodny, analista político ucraniano e sócio-gerente do Grupo Nacional Anticrise (em Kiev)
    Taras Zahorodny, analista político ucraniano e sócio-gerente do Grupo Nacional Anticrise (em Kiev) Foto: Arquivo pessoal
  •  Olexiy Haran, professor de política da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla (Ucrânia)
    Olexiy Haran, professor de política da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla (Ucrânia) Foto: Arquivo pessoal
postado em 19/04/2025 06:00
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