{ "@context": "http://www.schema.org", "@graph": [{ "@type": "BreadcrumbList", "@id": "", "itemListElement": [{ "@type": "ListItem", "@id": "/#listItem", "position": 1, "item": { "@type": "WebPage", "@id": "/", "name": "In\u00edcio", "description": "O Correio Braziliense (CB) é o mais importante canal de notícias de Brasília. Aqui você encontra as últimas notícias do DF, do Brasil e do mundo.", "url": "/" }, "nextItem": "/brasil/#listItem" }, { "@type": "ListItem", "@id": "/brasil/#listItem", "position": 2, "item": { "@type": "WebPage", "@id": "/brasil/", "name": "Brasil", "description": "Acompanhe o que ocorre no país em tempo real: notícias e análises ", "url": "/brasil/" }, "previousItem": "/#listItem" } ] }, { "@type": "NewsArticle", "mainEntityOfPage": "/mundo/2024/11/6992674-escravo-ou-escravizado-o-debate-que-reflete-mudanca-de-como-brasil-enxerga-a-escravidao.html", "name": "Escravo ou escravizado? O debate que reflete mudança de como Brasil enxerga a escravidão", "headline": "Escravo ou escravizado? O debate que reflete mudança de como Brasil enxerga a escravidão", "description": "", "alternateName": "Mundo", "alternativeHeadline": "Mundo", "datePublished": "2024-11-20T06:05:00Z", "articleBody": "<p class="texto">Em linhas gerais, um dicionário contemporâneo define a palavra “<a href="https://correiobraziliense-br.noticiaspernambucancorreiobraziliense-br.noticiaspernambucanas.com/portuguese/topics/c1gdqgkx4z9t?xtor=AL-73-%5Bpartner%5D-%5Bcorreiobraziliense.com.br%5D-%5Blink%5D-%5Bbrazil%5D-%5Bbizdev%5D-%5Bisapi%5D">escravo</a>” como o que se diz “de pessoa que é considerada propriedade e se acha sob o domínio de um senhor”.</p> <p class="texto">“Escravizado”, por ser a forma do particípio ado do verbo “escravizar”, é quem “sofreu escravização”.</p> <p class="texto">Aos olhos de alguém alheio ao <a href="https://correiobraziliense-br.noticiaspernambucancorreiobraziliense-br.noticiaspernambucanas.com/portuguese/brasil-56670268?xtor=AL-73-%5Bpartner%5D-%5Bcorreiobraziliense.com.br%5D-%5Blink%5D-%5Bbrazil%5D-%5Bbizdev%5D-%5Bisapi%5D">movimento negro</a> ou aos estudos acadêmicos atuais, pode ser uma diferença sutil.</p> <p class="texto">Contudo, a escolha da terminologia faz parte de uma luta identitária e, conforme a opção do locutor, pode denotar uma visão crítica ao próprio regime <a href="https://correiobraziliense-br.noticiaspernambucancorreiobraziliense-br.noticiaspernambucanas.com/portuguese/brasil-44107760?xtor=AL-73-%5Bpartner%5D-%5Bcorreiobraziliense.com.br%5D-%5Blink%5D-%5Bbrazil%5D-%5Bbizdev%5D-%5Bisapi%5D">escravocrata</a>.</p> <p class="texto">A preocupação não é nova. Documentos de natureza abolicionista do século 19 já optavam pelo termo “escravizados” quando em defesa desses grupos, conforme revelou em sua conta na rede social X o historiador Renato Pinto Venancio, autor de, entre outros livros, <em>Cativo do Reino: a circulação de escravos entre Portugal e o Brasil</em> e professor na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).</p> <p class="texto">“A luta <a href="https://correiobraziliense-br.noticiaspernambucancorreiobraziliense-br.noticiaspernambucanas.com/portuguese/topics/cg7267qwzx1t?xtor=AL-73-%5Bpartner%5D-%5Bcorreiobraziliense.com.br%5D-%5Blink%5D-%5Bbrazil%5D-%5Bbizdev%5D-%5Bisapi%5D">política</a>, portanto, ficou registrada na escolha da terminologia”, comenta ele, à BBC News Brasil.</p> <p class="texto">“Há documentos do final do século 19 que empregam o termo ‘escravizado’ em vez de ‘escravo’.”</p> <p class="texto">No caso apresentado por ele na <a href="https://correiobraziliense-br.noticiaspernambucancorreiobraziliense-br.noticiaspernambucanas.com/portuguese/topics/c340q4k1dq3t?xtor=AL-73-%5Bpartner%5D-%5Bcorreiobraziliense.com.br%5D-%5Blink%5D-%5Bbrazil%5D-%5Bbizdev%5D-%5Bisapi%5D">rede social</a>, se trata de uma ação de liberdade de 1887, no ano anterior, portanto, à promulgação da Lei Áurea.</p> <p class="texto">“Essas ações são iniciadas quando se questiona a legitimidade da escravização”, explica o professor.</p> <p class="texto">“O escravizado é representado por uma pessoa livre. Se a demanda judicial fosse aceita, o juiz nomeava um curador para o escravizado, retirando o mesmo do domínio do suposto senhor até a finalização do processo.”</p> <p class="texto">Havia <a href="https://correiobraziliense-br.noticiaspernambucancorreiobraziliense-br.noticiaspernambucanas.com/portuguese/topics/c1gdqgk82xzt?xtor=AL-73-%5Bpartner%5D-%5Bcorreiobraziliense.com.br%5D-%5Blink%5D-%5Bbrazil%5D-%5Bbizdev%5D-%5Bisapi%5D">instrumentos jurídicos</a> para basear tais discussões.</p> <p class="texto">“O curador enviava o requerimento, no qual expunha as razões da liberdade do escravizado. É preciso sublinhar que o cativeiro injusto conta com legislação desde o século 16, em razão da proibição da escravidão de indígenas, exceto em algumas circunstâncias", diz Venancio.</p> <p class="texto">Nos séculos seguintes, essa legislação foi reafirmada, inclusive com a proibição explícita da escravização de indígenas no século 18, aponta o historiador.</p> <p class="texto">"Além disso, a legislação portuguesa, baseada em tradições do direito romano, reafirmou, também no século 18, a liberdade das crianças abandonadas, determinando que não se podia considerar escravas as crianças de filiação desconhecida”, elenca Venancio.</p> <p class="texto">“Soma-se a isso a legislação que proibiu o tráfico no início do século 19, determinação reforçada e ampliada em 1831, apesar do tráfico ter permanecido até 1850. Também é importante lembrar os casos em que o senhor havia prometido a alforria, mas os herdeiros não cumpriam a palavra”, acrescenta.</p> <p class="texto">“Todas essas situações criaram a possibilidade de lutas nos tribunais para reverter a escravidão. O que faltava era homens livres com instrução dispostos a se envolver nessas lutas.”</p> <p class="texto">Com a estruturação do movimento abolicionista, sobretudo a partir de 1870, alguns intelectuais vão por essa via jurídica — e, por isso, os tribunais brasileiros começam a lidar com uma enxurrada de ações de liberdade do tipo.</p> <p class="texto">“Não envolveu apenas brancos de elite”, comenta Venancio, citando o caso emblemático do <a href="https://correiobraziliense-br.noticiaspernambucancorreiobraziliense-br.noticiaspernambucanas.com/portuguese/articles/cd1wxx9e735o?xtor=AL-73-%5Bpartner%5D-%5Bcorreiobraziliense.com.br%5D-%5Blink%5D-%5Bbrazil%5D-%5Bbizdev%5D-%5Bisapi%5D">advogado Luiz Gama (1830-1882)</a>.</p> <p class="texto">“Ele era autodidata e foi escravizado, conseguindo provar na justiça a ilegalidade de sua situação”, cita.</p> <p class="texto">“Como advogado prático, ou seja, sem formação na faculdade de direito, conseguiu interceder e libertar centenas de escravizados”, ressalta Venancio.</p> <p class="texto">“Então, o que digo é que tal como no presente, as lutas políticas do ado mobilizaram conceitos e definições.”</p> <p class="texto">É o caso do documento mencionado pelo professor no X. Nele, o curador instituído faz referência ao cativeiro “injusto de dois escravizados”. “Ou seja: emprega esse termo”, pontua Venancio.</p> <p class="texto">“Ele alegou que, na matrícula, que havia se tornado obrigatória na década de 1870, o suposto senhor declarou serem os escravizados de 'filiação desconhecida’. Aproveitando uma brecha na legislação portuguesa, defendeu a prerrogativa da ‘ingenuidade’, ou seja, os dois escravizados deveriam ser considerados livres por terem filiação desconhecida.”</p> <figure><img src="https://ichef.bbci.co.uk/news/raw/sprodpb/df8a/live/73147940-a654-11ef-bdf5-b7cb2fa86e10.jpg" alt="Documento jurídico de 1887 traz o termo escravizado em vez de escravo para se referir aos cativos em luta pela liberdade" width="339" height="480" /><footer>Acervo Minas Justiça/Reprodução</footer> <figcaption>Documento jurídico de 1887 traz o termo escravizado em vez de escravo para se referir aos cativos em luta pela liberdade</figcaption> </figure> <p class="texto">O caso em questão não foi bem-sucedido — o juiz considerou a causa improcedente.</p> <p class="texto">Venancio atenta para o fato de que, ao longo do texto, a ação adota a terminologia “escravos” — assim, “escravizados” é a escolha apenas dos que advogam pela liberdade dos dois indivíduos.</p> <p class="texto">De acordo com as pesquisas do historiador, este não é um caso isolado.</p> <p class="texto">Em sua obra <em>O Abolicionismo</em>, o historiador e político Joaquim Nabuco (1849-1910) também prefere “escravizado”. “Ele menciona esse termo pelo menos cinco vezes”, enumera Venancio.</p> <p class="texto">“Quando a própria lei, como se verá exposto com toda a minudência, não basta para garantir, à metade, pelo menos, dos indivíduos escravizados, a liberdade que decretou para eles […]” é um dos trechos.</p> <p class="texto">Outro é “[…] homem, assim escravizado, não tem deveres para com Deus, para com pais, mulher ou filhos”.</p> <p class="texto">Para o filósofo e psicólogo Marcos da Silva e Silva, professor na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e da Universidade Federal do ABC, a diferenciação entre os dois termos começa a aparecer “a partir do momento em que o processo de escravidão ou a ser tematizado como um problema para a humanidade”.</p> <p class="texto">Isso coincide com o surgimento dos direitos sociais e, consequentemente, de preocupações com direitos humanos e busca por igualdade, a partir do final do século 18, ao longo do século 19 e, principalmente, no 20.</p> <p class="texto">“Escravo a a ser entendido como aquele que perdeu a liberdade. Escravizado, quem perdeu a sua humanidade”, comenta ele à BBC News Brasil. “Perder”, no caso, porque tiveram isso destituído à força.</p> <p class="texto">“O mais importante a dizer da diferença entre os dois conceitos é que o escravizado, no processo de escravização, também teve a sua humanidade desconstituída”, explica Silva e Silva.</p> <p class="texto">À BBC News Brasil, a historiadora Lucimar Felisberto dos Santos, membro da Rede de Historiadorxs Negrxs e autora de <em>Entre a Escravidão e a Liberdade: africanos e crioulos nos tempos da Abolição</em>, entre outros, pontua que a “substituição do termo ‘escravo’ por ‘escravizado’ tem a ver com […] o protagonismo das experiências” desses indivíduos, para a historiografia.</p> <p class="texto">“A pessoa não nasceu escrava, ela foi escravizada ao longo do processo de escravidão moderna”, ressalta Santos.</p> <figure><img src="https://ichef.bbci.co.uk/news/raw/sprodpb/1618/live/5473b750-a657-11ef-a4fe-a3e9a6c5d640.jpg" alt="Cenas do Brasil escravocrata, em imagens do acervo do Arquivo Nacional" width="1600" height="1072" /><footer>Arquivo Nacional</footer> <figcaption>Em sua obra 'O Abolicionismo’, o historiador e político Joaquim Nabuco (1849-1910) prefere o termo “escravizado”</figcaption> </figure> <h2>O que o debate em torno do assunto revela</h2> <p class="texto">A escolha de um termo em detrimento de outro indica a própria maneira como o indivíduo vítima da escravidão é entendido.</p> <p class="texto">“O termo ‘escravo’ remete a uma condição natural, enquanto ‘escravizado’ se refere ao caráter sócio-histórico da condição dos africanos e seus descendentes sob o cativeiro”, argumenta à BBC News Brasil o historiador Petrônio Domingues, professor na Universidade Federal de Sergipe (UFS).</p> <p class="texto">“Em outras palavras, ‘escravo’ remete a uma identidade fixa, inata, congênita, ao o que ‘escravizado’ se refere a uma condição imposta por outras pessoas.”</p> <p class="texto">“Assim, ‘escravizado’ evoca à humanidade das pessoas, indicando que elas não são coisas”, acrescenta ele.</p> <p class="texto">Venancio acrescenta que há lutas políticas em torno dessa palavra. "Mas não acho que cabe à pesquisa definir essa questão. As mudanças lexicais não são feitas por decreto. Trata-se de um convencimento coletivo, de criação de consensos”, diz o historiador.</p> <p class="texto">“Mas acho que essa luta a cada dia consegue mais apoio. Inclusive entre os arquivistas.”</p> <p class="texto">Ele atenta para o fato de que no próprio documento trazido por ele nas redes sociais haja, na área de notas da descrição, a seguinte frase: “É sugerido o uso da palavra ‘escravizado’, por conseguir melhor indicar a escravidão como uma condição imposta”.</p> <p class="texto">“Duvido que, há 20 ou 10 anos, encontraríamos tal agem em instrumentos de pesquisa de arquivo”, comenta.</p> <p class="texto">Venancio lembra que o debate é uma maneira de avançar no próprio entendimento da história.</p> <p class="texto">“É bom que haja esse debate com argumentos e contra-argumentos, pois discutir o ado é uma forma de se posicionar em relação ao presente e lutar por um futuro que respeito o ser humano”, conclui.</p> <p class="texto">Silva e Silva entende ainda que usar o termo “escravizado” indica que esses indivíduos tiveram “sua liberdade cerceada e sua história apagada”.</p> <p class="texto">“É como se escravo fosse uma coisa fixa. E o escravizado aquele que pudesse contar sua própria história a partir da escravidão”, contextualiza.</p> <p class="texto">“O nome escravizado retira do sujeito histórico essa pecha de escravo. A condição foi resultado de uma relação que foi imposta em um dado momento da vida, aqui no Brasil se vinculou à condição do ventre da mãe, e aí a pessoa se tornava escrava”, explica a historiadora Santos.</p> <p class="texto">“Ser escravizado é uma consequência da situação pela qual a pessoa ou que a colocou nessa condição. Não é uma condição inerente à vida do próprio sujeito.”</p> <figure><img src="https://ichef.bbci.co.uk/news/raw/sprodpb/30fe/live/86956d00-a657-11ef-a4fe-a3e9a6c5d640.jpg" alt="Cenas do Brasil escravocrata, em imagens do acervo do Arquivo Nacional" width="1600" height="1353" /><footer>Arquivo Nacional</footer> <figcaption>'Usar o termo escravizado é repensar a própria história, salienta o filósofo Silva e Silva.</figcaption> </figure> <h2>Atualidade</h2> <p class="texto">Domingues entende que essa questão terminológica se tornou realmente importante nas últimas décadas.</p> <p class="texto">Esta é uma preocupação relativamente nova, ressalta o historiador, que surgiu no Brasil no início do terceiro milênio e está associada a dois fatores.</p> <p class="texto">"O primeiro é uma mudança na historiografia da escravidão, que desde a década de 1990 ou a priorizar os postulados da agência escrava", afirma Domingues.</p> <p class="texto">"Ou seja, ou a privilegiar abordagens centradas no protagonismo dos escravizados, assim como essa preocupação associa-se às lutas e demandas do movimento negro, que tem sido responsável pelas formulações e avanços das políticas das ações afirmativas e cumprido um papel educador na sociedade brasileiro, o que inclui a propositura de mudança lexical para se referir às experiências negras na história.”</p> <p class="texto">Atualmente, usar o termo "escravo" é algo considerado por muitos politicamente incorreto, ressalta Domingues.</p> <p class="texto">"A mudança lexical implicou em mudança semântica, para não dizer política”, diz o professor da UFS.</p> <p class="texto">O filósofo Silva e Silva salienta que “usar o termo escravizado é repensar a própria história”</p> <p class="texto">Venancio observa que situação semelhante ocorreu com a palavra “índio” para designar os povos indígenas ou os povos originários.</p> <p class="texto">“Ela também tem sido condenada”, compara.</p> <p class="texto">O léxico foi contudo forjado por décadas e décadas de livros escolares que traziam o estereótipo do homem branco europeu como protagonista.</p> <p class="texto">“O material didático antigo não havia sido ainda impactado pelas lutas políticas de reparação de direitos, então a tendência foi reproduzir o léxico usual”, comenta o historiador.</p> <p class="texto">“De toda forma, é preciso não mistificar essa questão. Há vasta bibliografia clássica sobre a escravidão que emprega a palavra ‘escravo’. Não cabe anacronicamente condená-la.”</p> <ul> <li><a href="https://correiobraziliense-br.noticiaspernambucancorreiobraziliense-br.noticiaspernambucanas.com/portuguese/articles/c51n4y7nr2vo?xtor=AL-73-%5Bpartner%5D-%5Bcorreiobraziliense.com.br%5D-%5Blink%5D-%5Bbrazil%5D-%5Bbizdev%5D-%5Bisapi%5D">6 brasileiros que lutaram pelo fim da escravidão no Brasil</a></li> <li><a href="https://correiobraziliense-br.noticiaspernambucancorreiobraziliense-br.noticiaspernambucanas.com/portuguese/brasil-44011770?xtor=AL-73-%5Bpartner%5D-%5Bcorreiobraziliense.com.br%5D-%5Blink%5D-%5Bbrazil%5D-%5Bbizdev%5D-%5Bisapi%5D">O legado de negros muçulmanos que se rebelaram na Bahia antes do fim da escravidão</a></li> <li><a href="https://correiobraziliense-br.noticiaspernambucancorreiobraziliense-br.noticiaspernambucanas.com/portuguese/brasil-44091474?xtor=AL-73-%5Bpartner%5D-%5Bcorreiobraziliense.com.br%5D-%5Blink%5D-%5Bbrazil%5D-%5Bbizdev%5D-%5Bisapi%5D">Abolição da escravidão em 1888 foi votada pela elite evitando a reforma agrária, diz historiador</a></li> </ul> <p class="texto"><img src="https://a1.api.bbc.co.uk/hit.xiti/?s=598346&p=portuguese.articles.cx289vvwle1o.page&x1=%5Burn%3Abbc%3Aoptimo%3Aasset%3Acx289vvwle1o%5D&x4=%5Bpt-br%5D&x5=%5Bhttps%3A%2F%2Fcorreiobraziliense-br.noticiaspernambucancorreiobraziliense-br.noticiaspernambucanas.com%2Fportuguese%2Farticles%2Fcx289vvwle1o%5D&x7=%5Barticle%5D&x8=%5Bsynd_nojs_ISAPI%5D&x9=%5BEscravo+ou+escravizado%3F+O+debate+que+reflete+mudan%C3%A7a+de+como+Brasil+enxerga+a+escravid%C3%A3o%5D&x11=%5B2024-11-20T09%3A04%3A39.049Z%5D&x12=%5B2024-11-20T09%3A04%3A39.049Z%5D&x19=%5Bcorreiobraziliense.com.br%5D" /></p>", "isAccessibleForFree": true, "image": [ "https://midias.correiobraziliense.com.br/_midias/png/2024/11/20/1200x801/1_1ca56600_a654_11ef_8f34_d13fa8fb6127-41908306.png?20241120060606?20241120060606", "https://midias.correiobraziliense.com.br/_midias/png/2024/11/20/1000x1000/1_1ca56600_a654_11ef_8f34_d13fa8fb6127-41908306.png?20241120060606?20241120060606", "https://midias.correiobraziliense.com.br/_midias/png/2024/11/20/800x600/1_1ca56600_a654_11ef_8f34_d13fa8fb6127-41908306.png?20241120060606?20241120060606" ], "author": [ { "@type": "Person", "name": "Edison Veiga - De Bled (Eslovênia) para a BBC News Brasil", "url": "/autor?termo=edison-veiga---de-bled-(eslovenia)-para-a-bbc-news-brasil" } ], "publisher": { "logo": { "url": "https://image.staticox.com/?url=https%3A%2F%2Fimgs2.correiobraziliense.com.br%2Famp%2Flogo_cb_json.png", "@type": "ImageObject" }, "name": "Correio Braziliense", "@type": "Organization" } }, { "@type": "Organization", "@id": "/#organization", "name": "Correio Braziliense", "url": "/", "logo": { "@type": "ImageObject", "url": "/_conteudo/logo_correo-600x60.png", "@id": "/#organizationLogo" }, "sameAs": [ "https://www.facebook.com/correiobraziliense", "https://twitter.com/correiobraziliense.com.br", "https://instagram.com/correio.braziliense", "https://www.youtube.com/@correio.braziliense" ], "Point": { "@type": "Point", "telephone": "+556132141100", "Type": "office" } } ] } { "@context": "http://schema.org", "@graph": [{ "@type": "SiteNavigationElement", "name": "Início", "url": "/" }, { "@type": "SiteNavigationElement", "name": "Cidades DF", "url": "/cidades-df/" }, { "@type": "SiteNavigationElement", "name": "Politica", "url": "/politica/" }, { "@type": "SiteNavigationElement", "name": "Brasil", "url": "/brasil/" }, { "@type": "SiteNavigationElement", "name": "Economia", "url": "/economia/" }, { "@type": "SiteNavigationElement", "name": "Mundo", "url": "/mundo/" }, { "@type": "SiteNavigationElement", "name": "Diversão e Arte", "url": "/diversao-e-arte/" }, { "@type": "SiteNavigationElement", "name": "Ciência e Saúde", "url": "/ciencia-e-saude/" }, { "@type": "SiteNavigationElement", "name": "Eu Estudante", "url": "/euestudante/" }, { "@type": "SiteNavigationElement", "name": "Concursos", "url": "/euestudante/concursos/" }, { "@type": "SiteNavigationElement", "name": "Esportes", "url": "/esportes/" } ] } 2y4g2g

Escravo ou escravizado? O debate que reflete mudança de como Brasil enxerga a escravidão 3470p
Mundo

Escravo ou escravizado? O debate que reflete mudança de como Brasil enxerga a escravidão 3i2c6s

Escolha da terminologia faz parte de uma luta identitária e, conforme a opção do locutor, pode denotar uma visão crítica ao próprio regime escravocrata. 3ef5a

Em linhas gerais, um dicionário contemporâneo define a palavra “escravo” como o que se diz “de pessoa que é considerada propriedade e se acha sob o domínio de um senhor”.

“Escravizado”, por ser a forma do particípio ado do verbo “escravizar”, é quem “sofreu escravização”.

Aos olhos de alguém alheio ao movimento negro ou aos estudos acadêmicos atuais, pode ser uma diferença sutil.

Contudo, a escolha da terminologia faz parte de uma luta identitária e, conforme a opção do locutor, pode denotar uma visão crítica ao próprio regime escravocrata.

A preocupação não é nova. Documentos de natureza abolicionista do século 19 já optavam pelo termo “escravizados” quando em defesa desses grupos, conforme revelou em sua conta na rede social X o historiador Renato Pinto Venancio, autor de, entre outros livros, Cativo do Reino: a circulação de escravos entre Portugal e o Brasil e professor na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

“A luta política, portanto, ficou registrada na escolha da terminologia”, comenta ele, à BBC News Brasil.

“Há documentos do final do século 19 que empregam o termo ‘escravizado’ em vez de ‘escravo’.”

No caso apresentado por ele na rede social, se trata de uma ação de liberdade de 1887, no ano anterior, portanto, à promulgação da Lei Áurea.

“Essas ações são iniciadas quando se questiona a legitimidade da escravização”, explica o professor.

“O escravizado é representado por uma pessoa livre. Se a demanda judicial fosse aceita, o juiz nomeava um curador para o escravizado, retirando o mesmo do domínio do suposto senhor até a finalização do processo.”

Havia instrumentos jurídicos para basear tais discussões.

“O curador enviava o requerimento, no qual expunha as razões da liberdade do escravizado. É preciso sublinhar que o cativeiro injusto conta com legislação desde o século 16, em razão da proibição da escravidão de indígenas, exceto em algumas circunstâncias", diz Venancio.

Nos séculos seguintes, essa legislação foi reafirmada, inclusive com a proibição explícita da escravização de indígenas no século 18, aponta o historiador.

"Além disso, a legislação portuguesa, baseada em tradições do direito romano, reafirmou, também no século 18, a liberdade das crianças abandonadas, determinando que não se podia considerar escravas as crianças de filiação desconhecida”, elenca Venancio.

“Soma-se a isso a legislação que proibiu o tráfico no início do século 19, determinação reforçada e ampliada em 1831, apesar do tráfico ter permanecido até 1850. Também é importante lembrar os casos em que o senhor havia prometido a alforria, mas os herdeiros não cumpriam a palavra”, acrescenta.

“Todas essas situações criaram a possibilidade de lutas nos tribunais para reverter a escravidão. O que faltava era homens livres com instrução dispostos a se envolver nessas lutas.”

Com a estruturação do movimento abolicionista, sobretudo a partir de 1870, alguns intelectuais vão por essa via jurídica — e, por isso, os tribunais brasileiros começam a lidar com uma enxurrada de ações de liberdade do tipo.

“Não envolveu apenas brancos de elite”, comenta Venancio, citando o caso emblemático do advogado Luiz Gama (1830-1882).

“Ele era autodidata e foi escravizado, conseguindo provar na justiça a ilegalidade de sua situação”, cita.

“Como advogado prático, ou seja, sem formação na faculdade de direito, conseguiu interceder e libertar centenas de escravizados”, ressalta Venancio.

“Então, o que digo é que tal como no presente, as lutas políticas do ado mobilizaram conceitos e definições.”

É o caso do documento mencionado pelo professor no X. Nele, o curador instituído faz referência ao cativeiro “injusto de dois escravizados”. “Ou seja: emprega esse termo”, pontua Venancio.

“Ele alegou que, na matrícula, que havia se tornado obrigatória na década de 1870, o suposto senhor declarou serem os escravizados de 'filiação desconhecida’. Aproveitando uma brecha na legislação portuguesa, defendeu a prerrogativa da ‘ingenuidade’, ou seja, os dois escravizados deveriam ser considerados livres por terem filiação desconhecida.”

Acervo Minas Justiça/Reprodução
Documento jurídico de 1887 traz o termo escravizado em vez de escravo para se referir aos cativos em luta pela liberdade

O caso em questão não foi bem-sucedido — o juiz considerou a causa improcedente.

Venancio atenta para o fato de que, ao longo do texto, a ação adota a terminologia “escravos” — assim, “escravizados” é a escolha apenas dos que advogam pela liberdade dos dois indivíduos.

De acordo com as pesquisas do historiador, este não é um caso isolado.

Em sua obra O Abolicionismo, o historiador e político Joaquim Nabuco (1849-1910) também prefere “escravizado”. “Ele menciona esse termo pelo menos cinco vezes”, enumera Venancio.

“Quando a própria lei, como se verá exposto com toda a minudência, não basta para garantir, à metade, pelo menos, dos indivíduos escravizados, a liberdade que decretou para eles […]” é um dos trechos.

Outro é “[…] homem, assim escravizado, não tem deveres para com Deus, para com pais, mulher ou filhos”.

Para o filósofo e psicólogo Marcos da Silva e Silva, professor na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e da Universidade Federal do ABC, a diferenciação entre os dois termos começa a aparecer “a partir do momento em que o processo de escravidão ou a ser tematizado como um problema para a humanidade”.

Isso coincide com o surgimento dos direitos sociais e, consequentemente, de preocupações com direitos humanos e busca por igualdade, a partir do final do século 18, ao longo do século 19 e, principalmente, no 20.

“Escravo a a ser entendido como aquele que perdeu a liberdade. Escravizado, quem perdeu a sua humanidade”, comenta ele à BBC News Brasil. “Perder”, no caso, porque tiveram isso destituído à força.

“O mais importante a dizer da diferença entre os dois conceitos é que o escravizado, no processo de escravização, também teve a sua humanidade desconstituída”, explica Silva e Silva.

À BBC News Brasil, a historiadora Lucimar Felisberto dos Santos, membro da Rede de Historiadorxs Negrxs e autora de Entre a Escravidão e a Liberdade: africanos e crioulos nos tempos da Abolição, entre outros, pontua que a “substituição do termo ‘escravo’ por ‘escravizado’ tem a ver com […] o protagonismo das experiências” desses indivíduos, para a historiografia.

“A pessoa não nasceu escrava, ela foi escravizada ao longo do processo de escravidão moderna”, ressalta Santos.

Arquivo Nacional
Em sua obra 'O Abolicionismo’, o historiador e político Joaquim Nabuco (1849-1910) prefere o termo “escravizado”

O que o debate em torno do assunto revela 1r2226

A escolha de um termo em detrimento de outro indica a própria maneira como o indivíduo vítima da escravidão é entendido.

“O termo ‘escravo’ remete a uma condição natural, enquanto ‘escravizado’ se refere ao caráter sócio-histórico da condição dos africanos e seus descendentes sob o cativeiro”, argumenta à BBC News Brasil o historiador Petrônio Domingues, professor na Universidade Federal de Sergipe (UFS).

“Em outras palavras, ‘escravo’ remete a uma identidade fixa, inata, congênita, ao o que ‘escravizado’ se refere a uma condição imposta por outras pessoas.”

“Assim, ‘escravizado’ evoca à humanidade das pessoas, indicando que elas não são coisas”, acrescenta ele.

Venancio acrescenta que há lutas políticas em torno dessa palavra. "Mas não acho que cabe à pesquisa definir essa questão. As mudanças lexicais não são feitas por decreto. Trata-se de um convencimento coletivo, de criação de consensos”, diz o historiador.

“Mas acho que essa luta a cada dia consegue mais apoio. Inclusive entre os arquivistas.”

Ele atenta para o fato de que no próprio documento trazido por ele nas redes sociais haja, na área de notas da descrição, a seguinte frase: “É sugerido o uso da palavra ‘escravizado’, por conseguir melhor indicar a escravidão como uma condição imposta”.

“Duvido que, há 20 ou 10 anos, encontraríamos tal agem em instrumentos de pesquisa de arquivo”, comenta.

Venancio lembra que o debate é uma maneira de avançar no próprio entendimento da história.

“É bom que haja esse debate com argumentos e contra-argumentos, pois discutir o ado é uma forma de se posicionar em relação ao presente e lutar por um futuro que respeito o ser humano”, conclui.

Silva e Silva entende ainda que usar o termo “escravizado” indica que esses indivíduos tiveram “sua liberdade cerceada e sua história apagada”.

“É como se escravo fosse uma coisa fixa. E o escravizado aquele que pudesse contar sua própria história a partir da escravidão”, contextualiza.

“O nome escravizado retira do sujeito histórico essa pecha de escravo. A condição foi resultado de uma relação que foi imposta em um dado momento da vida, aqui no Brasil se vinculou à condição do ventre da mãe, e aí a pessoa se tornava escrava”, explica a historiadora Santos.

“Ser escravizado é uma consequência da situação pela qual a pessoa ou que a colocou nessa condição. Não é uma condição inerente à vida do próprio sujeito.”

Arquivo Nacional
'Usar o termo escravizado é repensar a própria história, salienta o filósofo Silva e Silva.

Atualidade 204q4k

Domingues entende que essa questão terminológica se tornou realmente importante nas últimas décadas.

Esta é uma preocupação relativamente nova, ressalta o historiador, que surgiu no Brasil no início do terceiro milênio e está associada a dois fatores.

"O primeiro é uma mudança na historiografia da escravidão, que desde a década de 1990 ou a priorizar os postulados da agência escrava", afirma Domingues.

"Ou seja, ou a privilegiar abordagens centradas no protagonismo dos escravizados, assim como essa preocupação associa-se às lutas e demandas do movimento negro, que tem sido responsável pelas formulações e avanços das políticas das ações afirmativas e cumprido um papel educador na sociedade brasileiro, o que inclui a propositura de mudança lexical para se referir às experiências negras na história.”

Atualmente, usar o termo "escravo" é algo considerado por muitos politicamente incorreto, ressalta Domingues.

"A mudança lexical implicou em mudança semântica, para não dizer política”, diz o professor da UFS.

O filósofo Silva e Silva salienta que “usar o termo escravizado é repensar a própria história”

Venancio observa que situação semelhante ocorreu com a palavra “índio” para designar os povos indígenas ou os povos originários.

“Ela também tem sido condenada”, compara.

O léxico foi contudo forjado por décadas e décadas de livros escolares que traziam o estereótipo do homem branco europeu como protagonista.

“O material didático antigo não havia sido ainda impactado pelas lutas políticas de reparação de direitos, então a tendência foi reproduzir o léxico usual”, comenta o historiador.

“De toda forma, é preciso não mistificar essa questão. Há vasta bibliografia clássica sobre a escravidão que emprega a palavra ‘escravo’. Não cabe anacronicamente condená-la.”

Mais Lidas 6i191b