Esportes

Betinho Marques: Gabriel Veneno da F??, Veneno do Galo

Gabriel Veneno, celebra um gol ao lado do pai. Jovem atacante tem história de superação, brilha na base do Galo

Gabriel Veneno, celebra um gol ao lado do pai. Jovem atacante tem história de superação, brilha na base do Galo -  (crédito: Foto: Divulgação Atlético Mineiro)
Gabriel Veneno, celebra um gol ao lado do pai. Jovem atacante tem história de superação, brilha na base do Galo - (crédito: Foto: Divulgação Atlético Mineiro)

Direto de Ibicaraí, do Vilarejo Cajueiro, no interior da Bahia, começou a história de Gabriel Veneno (15), a nova promessa do Galo.

Com um sonho comum do brasileiro, de ser jogador de futebol, tudo começou ali, na escolinha do Betinho, a AFD. Doido pela bola, João Gabriel, precisava treinar, ter fundamentos, era mais que chutar uma bola… Precisava de ajuda, dinheiro, disposição e disponibilidade de alguém para sonhar junto para que as coisas acontecessem.

O veneno da cobra

Ainda novinho, enquanto brincava, o garoto foi picado por uma cobra na sua cidade e quase morreu. A picada da cobra fez João ficar 19 dias internado e a família desesperada. Com muito custo e pesquisa, acharam o antídoto, que, por uma boa coincidência, veio de Minas Gerais.

Mesmo assim, o garoto para não ter perdas maiores, precisou amputar parcialmente o dedo anelar direito. Dos males, aquele seria o menor. No fim, deu tudo certo e o menino voltou a chutar a boa bola. Mais tarde eles iriam entender a relação de Gabriel, a bola e o veneno.

O pai que largou tudo para sonhar junto do filho

Morando na zona rural, o pai de João Gabriel, o jovem Francisco, seguia trabalhando com artefatos de couro no interior da Bahia. A esposa Sandra cuidava de todos os filhos e trabalhava como cabeleleira, a vida era uma sobrevivência dia após dia. Era preciso contar com a benevolência de muita gente e também ter perseverança em abundância para seguir. Mas eles tinham.

Tudo era difícil e a logística não era fácil para levar João aos treinos naquela escassez. Era preciso muito esforço. Um dia, querendo entender o propósito, Francisco perguntou ao garoto:

— Quer ser jogador mesmo?

De tanto treinar na Escolinha Craques do Futuro (AFD), contando com o apoio total e ir do treinador Beto Damasceno (Betinho), haveria um campeonato no fim de 2019 com as escolinhas de grandes clubes brasileiros (Santos, Bahia, Vitória) e ali JG teria chance de ser visto.

Era o torneio que mudaria a vida de João Gabriel e a escolinha AFD, do Betinho, iria. O torneio seria em Santa Rita de Cássia – BA, cerca de 28h de Ibicaraí e a mais de mil quilômetros distância de casa. O “calo” apertava e Francisco precisava largar o serviço para viver em função do sonho do filho. Era tudo ou tudo.

A escolinha desistiu. Veneno, não!

A dupla pai e filho não teria vida fácil. Depois de juntar o dinheiro para a inscrição com todas as economias, contar com as vaquinhas dos caminhoneiros das caronas salvadoras, na última hora – devido à distância e logística -, vários pais desistiram e o time de João Gabriel não iria mais disputar o torneio 2 de julho, no CT Canarinho.

Copiosamente, desesperado, Francisco viu seu filho chorar muito, era o sonho que ava por ali. Tudo estaria acabado? Parecia um sinal …

Foi aí que o pai decretou: “Arruma suas malas, vamos. Nada de comida até lá”.

Não havia alimento para chegar até Santa Rita de Cássia, era preciso juntar cerca de R$ 3 mil. Mas eles foram, catando o que tinham para o torneio, daqui e de lá, estavam decididos a ir. Voltar seria outra batalha, outra história, “pensamos depois”.

Antes de embarcar com as vaquinhas e ajudas, aram no mercadinho do Ney para pegar algumas merendas que conseguiram. Tudo precário, até mesmo o celular de Francisco não ajudava muito na fluidez da comunicação, pouco crédito, era Deus e eles.

Apesar de todo o esforço, Francisco não tinha dinheiro suficiente para ir e retornar para a casa, não havia alimento e não havia time para Veneno jogar. Era, aparentemente, uma saída “suicida” e sem raciocínio lógico. Era a fé pela fé, contra a dura lucidez.

Dorme que a fome a

Quando o garoto sentia fome, o pai falava: “dorme que a fome a”. E para dar tudo certo, deixava de comer para sobrar um pouco mais de merenda para o seu filhote que amava feijão e farinha.

Chegando lá, na porta do CT do Canarinho, não podiam entrar. Não tinham time, lembram? O time do João desistira do torneio pela distância e dificuldades diversas.

Foi aí que se encontraram com o dono do CT. Joãozinho, depois de se identificar no sofrimento da dupla liberou a entrada de pai e filho. Com o campeonato rolando, Francisco gritava do lado de fora para que alguém deixasse o ainda João Gabriel jogar. Um dos funcionários da escolinha dos Santos, segundo Francisco, disse: “não dá para fazer nada por vocês, já chega de porcaria por aqui”.

Numa dessas partidas, o Vitória perdia por 3 a 0, sem grandes esperanças. Francisco pedia e gritava por uma oportunidade para o filho João Gabriel entrar na beira do campo. Então, o treinador da escolinha do Leão da Barra autorizou: “entra aí”.

João vestiu o uniforme e o pai avisou: “Dê o seu melhor. Saindo daqui você vai comer feijão”.

O garoto, no primeiro toque, já mudou o olhar de quem o via. Não bastasse isso, JG deu uma assistência e fez um gol. O Vitória que perdia por 3 a 0, depois da entrada do menino de Itacaraí, reagiu para 3 a 2 e, se houvesse mais tempo, poderia ter tido melhor sorte.

Ao fim do jogo, Paulo Robson campeão brasileiro pelo Bahia em 1988, da base do Santos, chamou João Gabriel, perguntou sobre o motivo do dedo amputado e, depois de entender a história da cobra, proferiu:

“Você agora é da base do Santos. É o Veneno do Santos”

As coisas começam e a família se divide

Depois disso, o agora Gabriel Veneno, ganhou agem para voltar com o pai para a casa. Seria um mês de prazo para ele se apresentar em Santos. Mais uma vez, seria uma nova mudança para todos. Pai e filho foram para a cidade praieira de São Paulo e a mãe e os irmãos se mantiveram no interior da Bahia. Era tudo na aposta única, todas as fichas no sonho do moleque Veneno.

No intervalo de dezembro de 2019 a março de 2020, a pandemia explode e o Galo que havia chamado o garoto um pouco antes, paralisa as atividades. A chegada de Veneno ao Atlético teve ali o seu destino adiado.

Veneno dispensado

De volta ao Santos, com um empresário que, segundo o pai de Veneno, não teve cuidado com o garoto, as coisas não deram muito certo. Havia uma ajuda de custo para o atleta e Francisco se manterem. Mas tudo se resumia a R$ 1.500,00, chuteiras apertadas, falta de e. Moravam mal e longe do CT do Peixe, estavam largados.

Francisco, já trabalhando e tentando se estabelecer em Santos, teve outro problema. Em função de todas as dificuldades, do descaso do empresário, Veneno caiu de rendimento e foi dispensado do Peixe. Seria mais uma provação da dupla pai e filho.

De volta ao CT Canarinho para a Copa 2 de julho, Veneno jogou contra o Galo e foi bem. Na oportunidade, recebeu propostas de Palmeiras e Atlético.

Em agosto de 2020, Veneno chegou ao Atlético. De lá para cá, já foi convocado para a Seleção de base, encantou o torcedor do Galo e é considerado uma esperança de revelação da tão complicada e sucateada base atleticana. O nome de Dênis, funcionário do Alvinegro da Massa é um dos que o pai do garoto faz questão de mencionar com gratidão, assim como os demais da longa caminhada.

A gratidão é uma ação viva

Desde Maria, dona da pensão em Santos, de nome abençoado, que permitiu o primeiro banho, ando pela corretora Rita de Cássia – mesmo nome da cidade que deu luz ao futebol de Veneno naquele bendito torneio-, que arrumou e confiou uma casa maior para a posterior mudança de toda a família para Santos, Francisco tenta não esquecer de citar ninguém. Gratidão é uma ação que caminha junto com a história da família “Santos Veneno”.

De 2019 a 2025, uma boa estrada foi percorrida por Gabriel Veneno, Francisco e a família, que segue morando em Santos com os outros filhos. No Atlético, todos tratam Veneno com muito cuidado, carinho, mas todos também são sabedores que há muitos quilômetros ainda a percorrer.

Todavia, para quem saiu sem dinheiro, sem alimentação, sem time para jogar um torneio e foi bater na porta do CT Canarinho para ser atendido pelo Joãozinho, depois do início no interior da Bahia com Professor Betinho Damasceno, de se abastecer no mercadinho do Ney e juntar vaquinhas com os caminhoneiros da carona, o desistir não existe.

O veneno da cobra teve o antídoto da fé e transformou a vida de João Gabriel Castro Santos e de toda a sua família. Foi inoculada, em um povo naturalmente resiliente, a força e o “Veneno do drible”, daqueles que insistem em vencer quando a derrota se apresenta tão descarada e evidente, quando o raciocínio lógico impera, mas sucumbe aos milagres da poderosa FÉ.

A história de João Gabriel, o Veneno, é só um estímulo para quem tem “apenas” a FÉ e a dedicação como ponto de partida. No Atlético, a inspiração vem da transpiração pelo CAM e Gabriel Veneno tem o DNA do lutar, lutar e lutar que é o antídoto de todo o mal para a consagrada chegada do vencer, vencer e vencer que é o grande ideal.

Veneno neles, Galo!

Galo, som, sol e sal é fundamental

Siga nosso conteúdo nas redes sociais: Bluesky, Threads,  Twitter, Instagram e Facebook.

Redação Jogada10
RJ
postado em 20/03/2025 15:19
x