
Por qualquer ângulo em que se observe a carreira do diretor japonês Hirokazu Kore-Eda, que fará 63 anos na próxima sexta-feira (6/6), a visão é de sucesso. Até mesmo nas fissuras de famílias em crise, que o cinema dele bem retrata, brotam sementes de esperança: "Aprendi a ver 'ausência' e 'perda' como aberturas para a possibilidade de crescimento ou transformação", conta, em entrevista exclusiva ao Correio.
Hábil em comandar tramas que colam os espectadores a personagens múltiplos, nem sempre balizados por moral incorruptível, Kore-Eda sabe puxar "vínculos de empatia", como salienta Raquel Gandra, artista visual, cineasta e curadora da retrospectiva O Cinema de Hirokazu Kore-Eda (em cartaz, de graça, no CCBB).
Até o próximo dia 22, em 36 sessões, será possível desvendar os filmes que bem destrinçham relações humanas refinadas, sob a ótica do cineasta nascido em Tóquio. Há sete anos, veio um auge na carreira do diretor, com a repercussão do longa Assunto de família (2018), vencedor da Palma de Ouro e ainda com uma indicação a melhor filme internacional no Oscar.
O Prêmio do Júri havia despontado, cinco anos antes, com Pais e filhos (2013). O percurso de Kore-Eda, em Cannes, já diz muito do reconhecimento de sua linguagem e aceitação universal: por sete vezes concorreu ao prêmio máximo, integrou duas vezes a mostra Um Certo Olhar e, em 2024, foi escolhido como membro do júri do evento.
Entrevista// Hirokazu Kore Eda, cineasta
Como viu o impacto da pandemia na sociedade, considerando que nos seus filmes há muito de temas como luto e doença?
Tenho a impressão de que a pandemia acelerou muito a fragmentação da sociedade. A única "janela" pela qual as pessoas se conectavam ou a ser a tela do computador e, com esse estreitamento de perspectiva, descartar o que não se entende tornou-se a norma. É um estado muito prejudicial à saúde.
Existe uma distinção clara entre linguagens ou estilos cinematográficos no Japão, Coreia, Taiwan ou China? Código culturais asiáticos foram bem assimilados?
Não creio que haja diferenças significativas na narrativa ou no estilo. Se existem diferenças, elas provavelmente vêm menos de origens étnicas ou nacionais e mais da experiência pessoal de cada cineasta com o cinema — como eles foram criados por meio do cinema. Assim como podemos não compreender totalmente as realidades do Ocidente, acredito que as pessoas no Ocidente — a menos que estejam muito familiarizadas com a Ásia — lutam para entender as diferenças culturais aqui, especialmente além das políticas ou históricas. Há uma tendência a agrupar tudo sob um rótulo vago estipulado como "asiático".
Gerações descartaram tradições centenárias, não? Como nota a influência da tecnologia entre jovens e idosos?
Como muitos japoneses, não possuo o que se poderia chamar de uma "fé" sólida. O que existia eram mais costumes ou tradições. Meus pais nasceram na década de 1920 e pertenciam a uma geração mais velha, então, apesar de ter nascido e crescido em Tóquio, eu ainda estava exposto — por pouco — a alguns costumes e práticas sazonais agora desaparecidos. Se esses tinham ou não elementos religiosos não é a questão. O que é inegável é que, desde a década de 1970, as especificidades regionais desapareceram rapidamente e deram lugar à homogeneização. As tradições foram inegavelmente arrasadas.
Como vê a cristalização de público cativo em relação às animações?
Em vez de ser simplesmente estabelecida, a animação parece ter se tornado central. Acho que está até mudando a maneira como assistimos a filmes. Está se tornando um evento, e acredito que essa mudança só vai se acelerar. Parece muito próximo de uma experiência de música ao vivo. Quem seriam os grandes mestres que considero? Hayao Miyazaki, Katsuhiro Otomo, Satoshi Kon e Mamoru Hosoda.
Famílias fragmentadas e desfeitas frequentemente aparecem em seus filmes... O que aprendeu com o cinema em relação a união e reencontro?
Aprendi a ver "ausência" e "perda" como aberturas para a possibilidade de crescimento ou transformação.
O senhor conhece muito do cinema latino-americano? Qual é a percepção do Brasil?
Não estou muito familiarizado, e até me desculpo. Mas conheço o trabalho de vários cineastas excepcionais. Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, foi chocante. Também gostei muito de "O jardineiro fiel". Adorei Diários de motocicleta, de Walter Salles — quando o conheci, pedi que ele autografasse meu DVD. Estou ansioso pelo seu próximo filme (Ainda estou aqui). Da Argentina, O segredo dos seus olhos, de Juan José Camla, deixou uma profunda impressão. Quanto ao México: Amores brutos, de Alejandro G. Iñárritu, me marcou profundamente. Com esse filme, me tornei fã de Gael García Bernal. Por causa de Gael, também adorei E tua mãe também, de Alfonso Cuarón. E, claro, incluindo Guillermo del Toro, tive a oportunidade de conhecer os três diretores conhecidos como "Três Amigos", que mais tarde prosperaram em Hollywood. Sou especialmente próximo de del Toro — mantivemos uma relação calorosa. Quanto ao Brasil, participei como jurado na Mostra de Cinema de São Paulo. Infelizmente, estava muito ocupado e não consegui fazer muitos eios turísticos. Gostaria muito de visitar novamente.
Voos com singularidade
Broker — Uma nova chance - Dias 7, às 16h30, e 22, às 18h30.
A estreia do mestre japonês no cinema coreano rendeu ao ator central Song Kanh-ho (Parasita) prêmio de ator, no Festival de Cannes. O filme dispõe de traços policialescos, cômicos e ainda de road movie, para contar enredo com jovem mãe (Ji-eun Lee) incapaz de amar uma criança pouco desejada. A trama alinha dados de fertilidade e de abandono, com aceno para boa dramaticidade.
Monster - Dias 7, às 14h, e 21, às 18h30.
A interação de personagens maquiavélicos dá a largada neste filme com sólido roteiro de Yuji Sakamoto. Os meninos Minato (Soya Kurokawa) e Yori (Hinata Hiiragi) sofrem mais do que bullying, numa opressão movida até mesmo pelo professor Hori (Eita Nagayama. Destaque para a trilha de Ryuichi
Sakamoto.
Assunto de família - Dias 12, às 16h30, e 17, às 19h.
Afundada em contravenções, a família Shibata a longe de ser modelo. Não bastasse o excesso de gente no núcleo, surge a jovem Yuri (Miyu Sasaki), adotada por todos, com um quê rude. Para além do amor demonstrado pela avó Hatsue (Kiki Kilin), o filme ainda investe em temas como abandono, sem nada de moralismo. No fundo, o interesse do diretor é mostrar a inesperada ponte de afinidade ente personagens e o público.
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