É fato que as experiências de isolamento são concretas e bem sentidas na adaptação para a obra clássica de Gabriel García Márquez, Cem anos de solidão, pela Netflix, num êxito que encaminha toda a trama de família e de independência para a esperada segunda temporada. "Ainda não há uma data definitiva, mas imagino que o lançamento será para o fim deste ano, ou poderá ficar para o início do próximo", conta, ao Correio, o diretor Alex García Lópes.
O retumbante sucesso da série, consagrada por ainda por três prêmios Platino (que reúne obras de toda a América hispânica), não se converte em números, nem mesmo de espectadores, pelo que destaca o codiretor. "A Netflix não partilha dados. Fazem é contar um diz-que-diz-que; nos informam pequenas coisas, dão-nos uma ideia, mas são muito reservados sobre isso", observa Lópes.
A sustentação das tramas aglomeradas no fictício povoado de Macondo vem pela mobilização em torno de temas como política, religião, guerra e violência, além de muito afeto. Isso garante o vínculo com os espectadores. "São temas transversais que aparecem no romance, tanto na primeira quanto na segunda parte, e eles am pela perspectiva feminina de Úrsula Iguarán —, tudo, numa radiografia da América Latina. Trouxemos questões que entram nas nossas casas, entram ainda em famílias que devem lidar com problemáticas", avalia a intérprete de Úrsula, a colombiana Marleyda Soto.
Úrsula, na trama, uma agente que propulsiona toda a conjuntura de amores e desencantos de personagens, num núcleo interminável de parentes, traz imenso entusiasmo para Marleyda. "Sabemos que o cinema latino-americano tem um novo lugar, que a nossa televisão e as nossas séries têm espaço para serem visibilizadas, leva à sensação de que todos ganhamos, todo o contingente como o de países irmãos partilhando histórias incríveis e maravilhosas", ressalta a atriz, muito tietada, por onde a, mundo afora.
A dimensão da retomada das filmagens da série (ainda inacabada) traz números agigantados. "Nossa equipe é muito grande. No dia a dia, num dia normal, estamos entre 600 pessoas na adaptação. Mas houve alturas em que, com cenas muito grandes, quando havia encenação da guerra, havia 150, 200 figurantes. Precisávamos de mais equipamento lá. Portanto, houve momentos em que éramos umas 950 pessoas", conta Alex García Lópes. A segunda temporada está em filmagens e cobre, basicamente, 50 anos seguintes do livro (de onde a primeira temporada parou).
"Desde a morte de Arcádio, que foi ao final da obra de 2024, chegaremos ao final do livro", conta o codiretor Alex García (Laura Mora também assina a obra). Carlos Moreno será o codiretor nesta nova etapa, em que ficam para trás alguns consagrados artistas e expande destinos para os herdeiros de figuras como Apolinar Mascote (papel do premiado coadjuvante Jairo Camargo). Mascote impulsionava uma barreira na corrente liberal pretendida por moradores da fictícia Macondo. Intérprete de três fases de Arcádio (na primeira temporada) Janer Villarreal também trouxe aspectos firmes para o tal personagem bastardo, que cresce recalcado, e se revolta. "Depois, ele não deixa que ultraem seus limites e se posiciona, o seu caráter torna-se mais sólido, e quando sai de casa, toma partido e acaba por se tornar ditador. Estudei vários casos de ditadores na América Latina, para criar meu personagem", ressaltou Janer, ao Correio.
Suspense mantido 54hl
Atento a limites, para contornar spoilers, Janer conta que com o personagem morto (na primeira temporada) a configuração dos personagens centrais será renovada: "Mas a descendência do Arcádio — os gêmeos Buendía, que são José Arcádio Segundo e Aureliano Segundo — serão aqueles a darem continuidade na história". Animado com a magnitude do trabalho, Janer, nascido em Barranquilla (Colômbia), ainda desfruta do reconhecimento popular. "No papel, houve o desafio complexo de, num ato de entrega permanente, não deixar que o egoísmo do meu conceito do Arcádio invadisse e predominasse frente à equipe gigantesca que me ajudou a construí-lo. Aceitei tudo o que me deram, e usei isso para o bem", simplifica.
Atriz da novela Rojo Carmesí, María del Rosario Barreto é pura torcida pelo brilho do noivo, Claudio Cataño, ator central, na pele do Coronel Aureliano Buendía. No tapete vermelho do evento de entrega dos prêmios Platino, ela celebrava a virtual profecia de um prêmio relevante para o ator. "Por causa da minha natureza, ansiosa e compulsiva, tento não pensar nisso (prêmios), tento aproveitar o que tenho, a cada momento. Recebi o prêmio de melhor ator (pelo público), e já estou muito feliz. Tudo o que acontece me acontece já é um prêmio; esta conversa é um prêmio. Eu me alegro na circunstância de estar com as pessoas que amo, a celebrar, a ver a minha foto, a minha grande cabeça ali, naquele enorme pôster (aponta, aos risos, para uma peça publicitária do evento sediado na Espanha). Tenho ao meu lado talentos natos da interpretação em espanhol — eu já ganhei, já ganhei", avaliou para a reportagem. Isso, a momentos de vencer o prêmio oficial de melhor ator de série, derrotando o brasileiro Gabriel Leone, de Senna.
"Acho que é um momento muito bonito que estamos encarando, nestes últimos dois, três anos. Vimos produções latino-americanas, bem como brasileiras, portuguesas e espanholas; tudo de altíssimo nível e de elevadíssima qualidade, e que não são apenas histórias locais e autênticas. Elas servem para todos, porque todos conheciam, por exemplo, o Senna. Eu mesmo po assistia correr, com o meu pai, desde pequeno. Meu pai gostava muito de Fórmula 1... Acho que vivenciamos um momento muito feliz com este tipo de histórias, como a que vimos em Como água para chocolate e em Pedro Páramo (outras obras derivadas para o audiovisual)", pontuou Alex García Lópes.
Três perguntas // Marleyda Soto, atriz de Cem anos de solidão 2z1744
O que acredita ter agregado a codireção de uma mulher na série Cem anos de solidão?
Laura Mora traz uma visão maravilhosa para a realização da série, especialmente porque as suas ideias são muito sensíveis. Sabe contar histórias de jeito primoroso. Portanto, ela já tem um caminho de experiência. Conta essas pequenas histórias com personagens complexos e enredos maravilhosas, em que se narra a psicologia humana. Traz consigo ainda a contribuição em cinema e soma no no rumo da série, principalmente por sua perspectiva feminina. A série tem como centro a personagem Úrsula Iguarán, que eu faço.
Um possível matriarcado acarretaria em que para a humanidade?
Sem dúvida que a história do meu país mostrou a força de caráter, da resiliência e do amor das mulheres que, como Úrsula, souberam superar as adversidades para sustentar as suas famílias. É essa poderosa força feminina que está tão presente no meu país, porque somos um país em guerra. Os nossos homens vão para a guerra; quem fica em casa a sustentar as famílias são as mulheres e, por isso, as nossas mães, avós, as matronas, e as mais velhas foram responsáveis por contar a história do país e sustentá-la. O percurso das Iguaráns parece precisamente a materialização de todo este matriarcado feminino colombiano; por meio disso, podemos perceber como aquelas mulheres foram construtivas.
Com Gabriel García Márquez, falamos de sonhos, e pergunto se eles foram alterados pela sua imersão?
Sem dúvida, acredito que participar de Cem anos de solidão é uma experiência que marca um antes e um depois para qualquer artista criativo, e que a vida nunca mais é vista da mesma forma por poder dar vida e forma às personagens. Por tão emblemáticos que são os tipos do livro, todos íveis de gerar identificação, são tão nossos, tão colombianos: eles nos fazem ver a nós mesmos, e, com isso, a conjuntura se modifica. Somos convidados a ver nossa realidade de outra maneira. Neste caso, posso dizer que, como artista, tenho, agora, uma visão diferente da criação lúdica.