Visão do Direito

Os impactos, no Brasil, do afrouxamento da regulamentação da IA nos EUA

"Na prática, as empresas que atuam com IA podem agora enfrentar um cenário de incerteza regulatória, dado o risco de surgirem padrões díspares tanto em âmbito estadual quanto internacional"

 2025. Eixo Capital.  Pedro Capello, advogado no DSA Advogados - Donelli, Nicolai e Zenid Advogados -  (crédito:   Divulgação)
2025. Eixo Capital. Pedro Capello, advogado no DSA Advogados - Donelli, Nicolai e Zenid Advogados - (crédito: Divulgação)

Por Pedro Capello* — A recente revogação, pelo governo norte-americano, de um decreto do ex-presidente Joe Biden — que visava garantir o uso seguro, protegido e confiável da IA nos EUA — representa uma mudança substancial na política do país, ao extinguir, em nível federal, o arcabouço regulatório que Biden havia implementado para coordenar o setor de inteligência artificial. Na prática, as empresas que atuam com IA podem agora enfrentar um cenário de incerteza regulatória, dado o risco de surgirem padrões díspares tanto em âmbito estadual quanto internacional.

Sem um direcionamento federal unificado, diferentes estados e órgãos reguladores estrangeiros poderão estabelecer exigências diversas, ampliando a complexidade do compliance para organizações que desenvolvem e aplicam IA. Além disso, a falta de diretrizes uniformes pode gerar lacunas na governança de dados, aumentando o risco de vieses, falhas de segurança cibernética e uso indevido de informações sensíveis.

Não obstante, empresas que adotarem padrões internos mais elevados de ética e segurança de dados, ou aquelas sediadas em países como o Brasil — que já possuem ou estão implementando legislações abrangentes para regulamentar o uso e o desenvolvimento de sistemas de IA —, podem enfrentar desvantagens competitivas em relação àquelas que seguirem critérios menos rigorosos.

No âmbito nacional, em 10 de dezembro de 2024, o Congresso Nacional aprovou o PL 2338/23 ("PL"), que estabelece normas gerais para o desenvolvimento e o uso ético e responsável da IA. Em contraste com a recente revogação da ordem executiva de Joe Biden nos EUA, essa legislação reforça a centralidade da pessoa humana e a proteção de direitos fundamentais como pilares da governança, além de introduzir a figura do Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial ("SIA").

O PL tem como objetivo definir diretrizes para a implementação de sistemas de IA seguros e confiáveis, alinhados ao respeito à privacidade, à inclusão e à não discriminação. A proposta também prevê a classificação de sistemas de alto risco e medidas como avaliações de impacto algorítmico, além de exigir transparência nos processos decisórios automatizados e naqueles empregados no funcionamento de infraestruturas críticas, como o controle de trânsito e redes de abastecimento de água e eletricidade.

Diante de um cenário de rápidas transformações globais e inovações disruptivas — já evidenciado nos últimos anos pela disseminação de ferramentas de IA —, a decisão do novo governo dos Estados Unidos e a recente aprovação do PL no Brasil revelam caminhos contrastantes na abordagem regulatória da tecnologia. Enquanto o Brasil busca estabelecer um arcabouço sólido que equilibre inovação tecnológica e proteção de direitos fundamentais, a revogação da regulamentação norte-americana reabre o debate sobre a relação entre liberdade regulatória e os riscos éticos e sociais associados ao desenvolvimento da IA.

Esses movimentos ressaltam a importância de refletir sobre as prioridades que cada país define em relação à inteligência artificial: como promover avanços tecnológicos sem comprometer valores éticos e democráticos? A resposta a essa pergunta moldará o impacto da IA em nossas sociedades e os desafios que teremos de enfrentar no futuro.

*Advogado no DSA Advogados - Donelli, Nicolai e Zenid Advogados

Opinião
postado em 13/02/2025 03:30
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