
O artista visual e pesquisador Cicero Moraes apresenta em novo estudo uma inédita reconstrução facial de Ludwig van Beethoven, feita a partir de fotografias históricas do crânio do compositor. A iniciativa, autorizada pelo Beethoven-Haus Bonn, utiliza tecnologias 3D de modelagem anatômica e marca a primeira estimativa formal do volume cerebral e da estatura do músico, além de uma análise detalhada de sua inteligência e genialidade a partir de parâmetros contemporâneos da psicologia.
Utilizando softwares livres como Inkscape, GIMP e Blender, Moraes reconstruiu digitalmente o rosto de Beethoven com base em três imagens feitas em 1863 pelo fotógrafo Johann Batta Rottmayer, durante a exumação dos restos mortais do compositor. As imagens mostram o crânio de frente e de perfil. A técnica de "deformação anatômica" foi aplicada para modelar as partes ausentes do crânio, com base em escaneamentos tomográficos de doadores vivos, e o rosto foi refinado com a ferramenta de inteligência artificial Codeformer.
Três versões da reconstrução foram produzidas: uma básica e objetiva (em tons de cinza, sem texturas), uma detalhada (com texturização e expressão facial) e uma artística (com cor da pele, cabelo, olhos e roupas inspiradas em retratos históricos). Comparações com a máscara de vida de Beethoven demonstraram notável compatibilidade, reforçando a fidelidade do processo.
A pesquisa revisitou as medições dos ossos de Beethoven feitas na exumação de 1863 — especialmente fêmur, tíbia e úmero — para estimar sua altura. Com base em 13 fórmulas diferentes, chegou-se a uma média de 1,62 metro, compatível com descrições biográficas de um homem "abaixo da estatura média".
A reconstrução tridimensional também permitiu medir o volume do crânio: 1450 cm³, o que indica um volume cerebral estimado de 1307 cm³, ligeiramente acima da média masculina moderna. Já o perímetro cefálico foi de 57 cm, também acima da média populacional.
Genialidade em perspectiva científica
Beethoven frequentemente aparece em listas de grandes gênios da história, mas Moraes alerta que o conceito de "gênio" carece de consenso psicométrico. O estudo revisita uma estimativa feita por Catherine Cox em 1926, que atribuía ao compositor um QI entre 135 e 140, índice compatível com o limiar de entrada na Mensa, sociedade internacional de superdotados. Ainda assim, o autor destaca que o impacto de Beethoven ultraa qualquer métrica de QI, cuja confiabilidade nas faixas mais altas é discutível.
Para uma avaliação mais robusta, o estudo analisa dez critérios modernos de genialidade, com base nos trabalhos de Davidson (2017) e Simonton (2009). Beethoven se destaca em todos: criatividade transformadora, persistência, hiperfoco, solução de problemas, versatilidade, reconhecimento social, ousadia intelectual, superação de adversidades (como a surdez), e influência duradoura. O caso da ópera Fidelio, que fracassou inicialmente e foi revista até alcançar sucesso, é citado como exemplo da resiliência criativa do músico.
Além disso, o autor aponta traços que sugerem uma sensibilidade emocional exacerbada e comportamento por vezes explosivo, o que, embora não diagnosticado, se alinha a padrões psicológicos de indivíduos altamente criativos.
Combinando ciência forense, antropometria e psicologia, o estudo apresenta uma visão rara e profundamente humana de Beethoven. A reconstrução de seu rosto, as medições físicas e a análise de sua mente compõem um retrato que valoriza não apenas o gênio musical, mas o homem que enfrentou dores intensas e ainda assim transformou o mundo com sua arte.
“A genialidade de Beethoven está menos nos números e mais no impacto de sua obra e na coragem de ser extraordinário mesmo quando tudo ao redor era adverso”, conclui Moraes.