
Brasília reúne ao longo desta semana os principais nomes nacionais e internacionais da neurociência para o 1º Congresso Latino-Americano da World Federation for Neurorehabilitation — Federação Mundial de Neurorreabilitação (WFNR). Durante o encontro, que começou nesta quarta-feira (7/5), especialistas de todo o mundo discutem os avanços, desafios e o futuro da neurorreabilitação. O evento, realizado no campus da Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação, na Asa Sul, marca o início de um novo ciclo de encontros científicos na América Latina promovidos pela federação.
A presidente da Rede Sarah e neurocientista, Lúcia Willadino, destacou o caráter internacional e multidisciplinar do encontro. "Temos mais de mil participantes de diferentes especialidades da saúde. É uma troca muito produtiva", afirmou. A programação, segundo Lúcia, tem atraído atenção não apenas pela diversidade de temas, mas também pela qualidade dos palestrantes. "Temos representantes dos cinco continentes. Todos extremamente qualificados. Essa participação é muito importante", pontuou.
Um dos principais temas do congresso, a neuroplasticidade — capacidade do cérebro de se reorganizar e formar novas conexões — tem grande impacto na prática clínica, segundo ela. "Isso tem uma repercussão fundamental no trabalho dos profissionais de saúde e na melhora dos pacientes", ressaltou Lúcia, apontando também a neurotecnologia e as evidências científicas obtidas por meio da neuroimagem como inovações promissoras no campo da reabilitação dos pacientes.
O neurologista alemão Volker Hömberg, presidente da WFNR, destacou a importância do evento como um marco para ampliar o intercâmbio científico na região. "Achamos que a WFNR precisava ter um encontro regular na América Latina, como ocorre na Ásia e na Europa", explicou. Segundo ele, o congresso pode se tornar anual ou bienal, fortalecendo a cooperação entre instituições e profissionais latino-americanos.
Foi justamente a palestra de Hömberg que propôs a debate um dos tópicos mais importantes do dia: "Como avançar na recuperação de pacientes que sofreram algum dano neurológico?" O especialista acredita que a tecnologia será uma aliada fundamental para democratizar esse conhecimento.
"A comunicação digital, combinada com inteligência artificial, será extremamente útil para difundir procedimentos e técnicas a pacientes em todas as partes do mundo", reforçou. No entanto, ele alertou para os riscos associados ao uso de IA sem supervisão. "A inteligência artificial abre uma nova janela, não apenas para istração e ensino, mas também para o desenvolvimento de novas tecnologias. Porém, é vulnerável a fraudes e informações falsas, por isso precisa ser monitorada por humanos".
Mudança
Neuropsicóloga australiana e diretora de pesquisa em ciências clínicas do Murdoch Children's Research Institute, Vicki Anderson ressaltou que avanços relevantes estão sendo realizados também na área comportamental infantil — especialidade dela —, principalmente na mudança da forma como os profissionais se relacionam com os pacientes e seus familiares. "O que fazemos hoje, e que não fazíamos no ado, é trabalhar em parceria com a criança e a família, para entender o que elas desejam da reabilitação. Antes, a intervenção era mais padronizada e desmotivadora para os pequenos", disse.
Direto da Alemanha, o neurologista Thomas Platz, chefe do Instituto de Neurorreabilitação da Universidade de Greifswald destacou avanços no abordagem do potencial da neuroplasticidade na recuperação de pacientes com lesões cerebrais graves, como AVC ou traumatismo cranioencefálico. "Mesmo após uma lesão, há muitas conexões no cérebro que permanecem intactas. Chamamos isso de reserva cerebral. A reabilitação pode ativar essa reserva por meio de treinamentos específicos, levando à restauração de funções e redução da deficiência no dia a dia", explicou.
Apesar dos avanços nos métodos e na tecnologia, para o pesquisador, o foco deve continuar sendo o cuidado humanizado. "A tecnologia é uma aliada que pode melhorar os serviços e os resultados, mas o essencial continua sendo a atenção às necessidades individuais dos pacientes. O uso da IA deve servir para aprimorar esse cuidado, e não substituí-lo", frisou.
Conexões
O primeiro dia do encontro proporcionou uma importante troca de conhecimentos não só para quem foi para palestrar, mas também para estudantes da área. Leonardo Juvino veio de São Paulo ao lado da colega Bruna Amaral. Ambos são estudantes de psicologia e compartilharam suas impressões sobre o primeiro dia.
"As palestras são muito interessantes, principalmente para ver o futuro da nossa área, tanto na psicologia quanto na neurorreabilitação", avaliou Bruna. Ela destacou a importância de debates para apresentar temas pouco explorados na graduação. "Ver quais são os novos fatores que estão entrando em jogo é muito legal, porque mostra onde a gente pode chegar no futuro", disse.
Leonardo complementou, ressaltando a relevância da integração entre tecnologias emergentes e as práticas já consolidadas. "Um dos palestrantes falou que, apesar da farmacologia estar entrando com novos mediadores da neuroreabilitação, isso não significa excluir outras abordagens. Tem que integrar."
Para o futuro da psicologia e da neuroreabilitação, os dois apostam na inteligência artificial como um dos caminhos mais promissores — desde que usada com critério. "A IA vem sendo utilizada no auxílio à compreensão de casos, mas precisa sempre ter o acompanhamento humano", opinou Bruna. Leonardo, por outro lado, fez um alerta: "Dizer que a IA é extremamente eficaz na psicologia talvez seja exagerado. Ainda precisa de muito estudo para entender os impactos reais".
Profissionais que atuam em diversos segmentos relacionados à neurociência também enfatizaram a importância do evento. A psicóloga Renata Theuer, de Belo Horizonte, destacou que os debates sobre neuroplasticidade e neuroreabilitação têm aplicabilidade prática direta na atuação clínica. "O que eu ouvi até agora foi sobre mudança cerebral a partir da reabilitação, da aprendizagem, e isso é algo que vemos na prática. Mas é bacana ver isso traduzido em exames e em debate mais aprofundado", comentou.
Embora ita não ter familiaridade com as tecnologias mais recentes dentro do consultório, como a inteligência artificial, Renata reconhece seu potencial. "Entendo muito pouco de IA, mas imagino que ela vai estar em tudo daqui a pouco, inclusive na reabilitação", afirmou. A psicóloga enfatizou a importância da troca interdisciplinar promovida pelo congresso. "Na reabilitação, a gente só funciona com equipe. Não tem como fazer um trabalho solitário. Essa troca de experiências, inclusive com profissionais de fora do país, é fundamental", concluiu.
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