
As freiras Marisa de Paula Neves, 41 anos, e Marizele Isabel Cassiano Rego, 46, foram um dos principais assuntos das redes sociais nas últimas semanas. Em vídeo que viralizou na internet, as religiosas cantam e dançam, com direito a beatbox feito por uma delas, durante programa de uma emissora católica. Depois de o registro ter rodado o mundo todo, as irmãs, que voltam para a casa, no Paraná, depois de uma semana agitada em Goiânia, falam ao Correio sobre o episódio e a trajetória que as levou até ali.
Dedicadas à vida religiosa, Marisa e Marizele são consagradas da Congregação Copiosa Redenção, instituição católica localizada no município de Ponta Grossa que tem por objetivo evangelizar através da recuperação de dependentes químicos e cuidado com jovens.
Na semana da terça-feira em que as vidas delas viraram de cabeça para baixo, as religiosas se preparavam para retiro vocacional que ocorreria no domingo, em Goiânia, onde fica também o estúdio da TV Pai Eterno. “Fomos uma semana antes para fazer uma boa divulgação”, conta a irmã Marizele, cujo chamado na vida cristã está associado à musicalidade.
Parte da divulgação incluía a participação no programa Família de Amor. Durante a transmissão, as freiras, que usam a arte como forma de evangelização, já haviam cantado e falado sobre o evento que preparavam antes de protagonizarem uma das cenas mais faladas da web nos últimos dias.
“A apresentadora perguntou se a gente queria fazer outras coisas para falar sobre vocação”, relembra. “Daí eu falei para ela que nós tínhamos uma musiquinha que a irmã Marisa dançava, que a gente poderia fazer ali um momento mais descontraído.”
O nome da música? Vocação. Gravada pelas irmãs da Copiosa Redenção em 2009, a canção foi atualizada por Marizele. “Eu fiz uma parte que eu sempre faço, para poder fazer o beatbox”, explica. “Não tem na música original, então de certa forma é uma criatividade que eu inventei e ela encaixa bem ali para poder colocar o beatbox, para fazer uma coisa diferente; e a irmã Marisa, mesmo sem saber o que poderia fazer, como ela dança muito bem, já pegou o ritmo no ato e já conseguiu fazer os inhos dela de break.”
Carisma que extrapolou as redes sociais do país
Elas não esperavam, porém, que o momento fosse viralizar. Isso porque a forma como agiram é a forma como normalmente evangelizam, com alegria e simplicidade: “A irmã Marisa com a dança dela, eu com beatbox, com música, e a gente já fez isso em outros momentos”.
Com o carisma da congregação que integram — ou seja, o dom concedido por Deus a religiosos para evangelização —, que busca assistir principalmente “pessoas que estão em vulnerabilidade com uso de drogas”, as freiras têm de encontrar formas lúdicas de levar a mensagem que buscam transmitir.
“Nas comunidades terapêuticas, nós utilizamos de muita criatividade, entre elas o beatbox, a dança, a música, o teatro”, elenca. “Também no ambiente de retiros, para jovens principalmente, e shows, nós utilizamos esses instrumentos de evangelização que Deus nos deu para que a gente possa também atrair as pessoas e, com essa atração, levá-las a viver um encontro mais profundo com Deus.”
Participante de grupos de dança durante a juventude, irmã Marisa utiliza da expressão artística que aprendeu antes da vida religiosa especialmente na evangelização de crianças e jovens, tendo chegado a ministrar aulas para os pequenos quando estava em missão.
Já Marizele descobriu também cedo que o propósito religioso dela estaria ligado à cantoria: ao longo dos 20 anos de votos religiosos, gravou álbuns e utiliza da música para auxiliar na recuperação de mulheres dependentes químicas. O beatbox que fazia desde a adolescência para brincar com os amigos a auxilia hoje como ferramenta de trabalho.
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Repercussão
Os cerca de 30 segundos de corte do programa chamaram a atenção não apenas das redes sociais brasileiras, mas do mundo inteiro. “Já fiquei surpresa quando começou a chegar no mundo mais secular, porque nós fomos num programa católico”, comenta Marizele. “Fiquei impressionada com a rapidez com que isso viralizou e com a rapidez de curiosidade, que trouxe surpresa, encantamento às pessoas que queriam entender que contexto era aquele.”
Quando o registro chegou a países como Áustria e Estados Unidos e estampou jornais e programas como New York Post, BBC e The Today Show, então, elas não conseguiram acreditar. Estavam tão ocupadas com a preparação do retiro que ocorreria domingo, porém, que sequer tiveram tempo para entender a repercussão.
“Quando nós paramos um pouquinho para poder ouvir, daí nós também ficamos contentes, felizes de saber que as pessoas estavam tendo uma experiência com Deus com esse vídeo”, afirma. “Um vídeo tão simples, espontâneo e que trouxe muita alegria às pessoas. Trouxe para elas uma quebra de paradigma diante daquilo que elas imaginam que seja a vida religiosa, né? Nós temos uma vida muito feliz.”
Irmã Marizele vê no sucesso do registro, portanto, uma ação divina. “O vento sopra onde quer”, exemplifica. “Ninguém sabe para onde vem, nem para onde vai. Essa é a ação do Espírito Santo. Eu acredito que de certa forma o mundo está sedento dessa alegria, dessa autenticidade.”
Em período em que personalidades digitais usam “máscaras” para poder alcançar visualizações e reações, a religiosa acredita que a propagação orgânica representa um tipo de conexão: “Quando a pessoa percebe que nós, que representamos o sagrado, estamos ali com uma simplicidade, eu acredito que isso mexe com o sagrado de cada um, e de fato a gente acabou transmitindo essa ação divina, não tem outra explicação”.
“A vida real continua”
Depois da repercussão do vídeo, irmã Marizele é enfática em pontuar que “a vida real continua, graças a Deus”. Apesar de terem tido a possibilidade de regravar a canção que fez sucesso com a parte do beatbox, ela afirma que a missão e a rotina religiosa seguem pautadas na normalidade — inclusive no que diz respeito a “tocar o coração das pessoas” por meio da música e do jeito alegre de ser.
“Seguimos a nossa agenda, eu como missionária e promotora vocacional, a irmã Marisa também como promotora vocacional”, informa. “Somos mulheres consagradas que desejam viver a vontade de Deus. Se ele quer nos levar para fora do país, a gente vai dizer ‘eis-nos aqui, Senhor’; se é através da internet ou se é fisicamente, também é ele que vai nos conduzindo.”