
Os bebês reborns, bonecas realistas que imitam recém nascidos, têm repercutido nas redes sociais no último mês, envolvendo até representantes políticos. No entanto, para Cleide Martins Falcão e Karen Falcão, mãe e filha, as bonecas têm papel central há mais de 15 anos. Sócias, as duas são proprietárias da loja Minha Infância Bebês Reborn, no Barreiro, Região de BH.
Cleide, de 53 anos, é a artista — ou cegonha, como chamam — responsável pela fabricação dos bebês reborn. Ela cria cada detalhe das bonecas à mão, da pintura do rosto até os cabelos, cujos fios são colocados um por um. Karen, de 30, cuida da parte istrativa, vendas e marketing da loja, que chama atenção com as bonecas hiper-realistas dentro de incubadoras expostas na vitrine.
“Já perdi a noção de quantos bebês eu fiz, já foram centenas de bebês nesses anos todos (...) E todos os dias eu estou fazendo bebê reborn, até no domingo, se não estou fazendo nada, eu vou mexer com bebê reborn. E eu amo isso”, diz Cleide. Antes da “maternidade” de bonecas, a artista tinha um “pronto-socorro” para reformar os brinquedos, também no Barreiro.
Veja detalhes da maternidade no vídeo:
Karen Falcão afirma que a existência dos bebês reborn e a venda deles são práticas antigas, apesar da repercussão na mídia ter sido algo recente. “Minha mãe sempre trabalhou com bonecas, eu sempre estive no meio”, diz. Em contato com esse segmento, Karen afirma que desde o início tinha o costume de ajudar a mãe no negócio, mas há 5 anos decidiu trabalhar completamente na loja.
A loja
Na Minha Infância Bebês Reborn, são cerca de 25 a 30 bonecas vendidas por mês e o preço pode variar de R$499 a $4.500, a depender do quão a boneca parece com um bebê de verdade. As mais caras são as feitas de silicone sólido, que deixam as bonecas mais maleáveis e realistas, com a possibilidade até de “chupar” chupeta.
A loja é decorada para incrementar o realismo das bonecas, e tem até incubadoras e berços. No acervo do empreendimento, são mais de 80 opções para pronta-entrega e os bebês têm características variadas, como o sexo, tamanho, cor de pele e cabelo. Cleide e Karen também aceitam encomendas de bonecas personalizadas inspiradas em fotos de bebês reais.
Público e repercussão
Karen Falcão conta que o principal público da loja são crianças, e por isso as vendas aumentam na época das festas de fim de ano. No caso de adultas que compram os bebês, ela diz que são colecionadoras ou mulheres com o desejo de realizar o sonho de criança, quando não tinham condição para ter um boneca. Karen conta que já vendeu para clientes que contaram ter tido bonecas de espiga de milho.
Apesar de ser um item de colecionador ou a materialização de um sonho, Karen conta que “normalmente as mulheres que gostam de brincar têm vergonha”. A dona da loja associa esse sentimento à forma que a sociedade vê as adultas que consomem esse produto, especialmente nos últimos dias, quando os bebês reborn viraram tema de debates e vídeos nas mídias sociais.
As bonecas viraram assunto na internet após a produtora de conteúdo ‘Yas Reborn’ gravar um vídeo levando o bebê de brinquedo no hospital, onde supostamente ele estaria sendo atendido. No entanto, após a repercussão, ela postou nas redes sociais que o vídeo era fictício e para o público infantil. Karen Falcão destacou que conteúdos desse tipo são comuns e antigos no meio “reborn”, e são voltados para crianças.
Apesar do esclarecimento, os bebês reborn continuam sendo tema de debate, com casos de pessoas tratando, ou fingindo tratar, as bonecas como se fossem de verdade repercutindo e sendo criticados.
Representantes políticos também embarcaram no assunto. Em Minas, um deputado estadual protocolou na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) um projeto de lei que propõe a proibição do atendimento de bonecas reborn e qualquer outro objeto inanimado nos serviços públicos do estado. No entanto, a Prefeitura de Belo Horizonte informou ao Estado de Minas que “desconhece qualquer registro” desse tipo de atendimento até o momento.
Karen conta que essa repercussão ajudou em termos de visualizações dos vídeos da Minha Infância Bebês Reborn nas redes sociais — no TikTok, a conta da loja acumula mais de 450 mil seguidores. No entanto, diz que o mercado das bonecas hiper-realistas, assim como as mulheres consumidoras, aram a ser alvo de ataques.
Terapêutico e questões de gênero
“Essas bonecas são usadas terapeticamente há muito tempo (...) no alzheimer, para situação de demência principalmente, e em situações de luto, por exemplo”, afirma Daniela Bittar, psicóloga especializada em maternidade e luto perinatal. Além desse papel, a profissional vê os bebês reborn como uma possível forma de subterfúgio para conexão, contato ou afeto, o que não seria patológico.
“Eu uso muito a boneca, a gente usa para fazer uma despedida daquela mãe que não teve a oportunidade de se despedir do filho na perda neonatal, para aquela mulher que está num luto complicado, que muitas vezes precisa abraçar a boneca e contextualizar simbolicamente aquela perda, mas deixando claro que ela faz isso terapeuticamente, muitas vezes em consultório”, afirma a psicóloga. Bittar acredita que não é qualquer profissional da psicologia que consegue fazer essa abordagem, que deve ter uma especialização por trás.
Daniela Bittar também acredita que há um julgamento ligado à romantização da maternidade, como se fosse um “sacrilégio” mulheres adultas, que são muitas vezes vistas pela sociedade como aptas e responsáveis por terem filhos, brincarem de serem mães.
Para ela, há também uma relação com questões de gênero. “Ninguém fica ali contextualizando o fato de que homens vão para praça exporem carros, ninguém fica preocupado com os homens o dia inteiro jogando videogame”, afirma. Karen Falcão também vê essa distinção no tratamento entre mulheres colecionadoras e homens colecionadores.
*Estagiária sob supervisão do subeditor Humberto Santos
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