Por 18 anos, Vitor* trava uma batalha contra a depressão. Explorou vários tratamentos, como antidepressivos diversos e terapia cognitivo-comportamental. Apesar de tantos recursos, nenhuma dessas medidas impediu que ele asse por uma crise grave no início deste ano. Como última opção, tentou a eletroconvulsoterapia (ECT) e conseguiu sair do estado profundo de melancolia em que se encontrava, quando enfrentou até episódios de catatonia. "Tenho estado mais disposto, alerta, com mais energia e ânimo", contou.
O caso de Vitor é um exemplo de como o uso do eletrochoque pode ser benéfico para pessoas que não respondem aos tratamentos médicos mais usados contra o distúrbio psiquiátrico e perdem as esperanças de obter melhoras. A eficácia da ECT é comprovada por estudos científicos, mas ainda enfrenta resistência nos consultórios devido ao medo dos pacientes. Especialistas ressaltam a necessidade de acabar com o estigma desse tratamento que pode impedir problemas ainda mais graves, como o suicídio.
Para contornar essa situação, médicos têm usado como estratégia a inclusão de familiares no tratamento. ;Tudo que é feito a portas fechadas vira um mistério e pode ser interpretado de diversas formas. Ao colocarmos uma pessoa de confiança lá dentro, isso a confiança. Chris Evans, um especialista da Universidade de Honolulu, no Havaí, diz que familiares que assistem a uma sessão de eletroconvulsoterapia se tornam embaixadores do uso da ECT;, explicou João Armando, psiquiatra, coordenador do serviço de Eletroconvulsoterapia do Instituto Castro e Santos, em Brasília, e membro da International Society for ECT and Neurostimulation (ISEN).
Acompanhar as sessões de tratamento de Vitor também ajudou a tranquilizar sua mãe, Mariana*, e fez com que ela concordasse com o uso da terapia. ;Conversei muito com a equipe que o atenderia e tudo foi perfeitamente esclarecido. Acompanhei, com muita calma e segurança, todas as sessões realizadas até hoje;, explicou Mariana. Ela acredita que o uso da terapia foi essencial para a melhora de João. ;Sem a ECT, meu filho não estaria tão bem. Ele voltou a se comunicar com a família e apresenta interesse em ler, sair com amigos, ir ao cinema e se distrair. Voltou a ser meu filho de sempre.;
Indicação antecipada
Assim como João, outros pacientes que acreditavam não ter mais opções disponíveis para tratar a doença têm se beneficiado do uso da eletroconvulsoterapia. Uma pesquisa publicada, em maio, na revista especializada Jama Psychiatry revisou uma série de estudos sobre o uso de ECT e mostrou que o uso da técnica gerou resultados positivos em pacientes que já haviam tentado outras terapias sem ter sucesso. ;As pesquisas indicam que a eletroconvulsoterapia pode ser significativamente mais eficaz que a farmacoterapia, com 50% a 60% dos pacientes atingindo a remissão rápida da depressão, em comparação com 10% a 40% com farmacoterapia/psicoterapia;, explicou Eric L. Ross, pesquisador do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Michigan, e um dos autores do estudo.
De acordo com o cientista e sua equipe, os resultados mais positivos foram registrados quando a terapia foi oferecida mais cedo. Essa conclusão é importante porque reflete uma mudança necessária na escolha de tratamentos dos pacientes, ressaltaram. ;Embora a definição de um tratamento de depressão seja algo muito pessoal, que cada paciente deve fazer com seu médico com base em suas preferências e experiências, nosso estudo sugere que a ECT deve ser posta na mesa como uma opção realista logo na terceira rodada de tratamento;, frisou Ross. ;A ECT é frequentemente considerada um último recurso por pacientes e profissionais, mas isso precisa mudar. Muitas pesquisas mostram que múltiplas falhas de medicação e a longa duração da depressão reduzem a chance de os pacientes atingirem a remissão. Usá-la mais cedo aumenta as chances de melhora;, alertou Daniel Maixner, um dos autores do estudo e também pesquisador da Universidade de Michigan.
Baixa letalidade
Outro estudo de análise de pesquisas já publicada mostrou a baixa taxa de mortalidade de ECT. Cientistas dinamarqueses analisaram 15 estudos, com dados de 32 países, divulgados entre 1976 e 2014. Apenas uma morte relacionada à terapia foi relatada nos 414.747 tratamentos registrados em estudos publicados após 2001. Em comparação, o número de mortes causadas por cirurgia sob anestesia geral foi estimado recentemente em 3,4 a cada 100 mil cirurgias. O trabalho de revisão foi publicado, em maio de 2017, na revista especializada Acta Psychiatrica Scandinavica.
DEPOIMENTO
Segurança e disposição;Resolvi tentar a eletroconvulsoterapia por sugestão da minha psiquiatra, tendo em vista que o tratamento tradicional não estava fazendo efeito e pelo fato de eu ter tido uma piora no quadro da depressão. A ECT tem me feito sentir e vislumbrar melhoras. Tenho estado mais disposto, alerta, com mais energia e ânimo. Em aspectos mais práticos, o procedimento foi bem esclarecido, e é bem mais simples do que se poderia imaginar. Poder ter minha mãe perto me a mais segurança. Sobretudo porque tenho a impressão de que o procedimento é feito da melhor forma possível, com a supervisão da equipe de psiquiatra, anestesista e enfermeiros. Na minha opinião, a ECT é uma alternativa suplementar ao tratamento tradicional com medicamentos;
Vitor*, 33 anos
Palavra de especialista
Vilania precisa acabar;Quando se faz uma cardioversão elétrica, você dá choques no peito, e a pessoa volta à vida. Mas quando o mesmo é feito no cérebro, pela ECT, isso é visto como punição. O primeiro tratamento é visto como mocinho, e o segundo, como um vilão. O que esse choque da eletroconvulsoterapia faz são pequenas convulsões, que não são nenhum pouco prejudiciais, mas as pessoas se confundem e têm uma visão completamente avessa ao real. E isso é muito negativo, pois muita gente está morrendo por falta de tratamento. Vemos o aumento de casos de suicídio, e essa é uma alternativa que pode ajudar a evitar esse cenário. Precisamos urgentemente acabar com esse estigma.;
Antônio Geraldo, presidente eleito da Associação Psiquiátrica da América Latina (APAL), diretor e superintendente técnico da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).